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10 de janeiro de 2017

Entrevista - Um cafezinho com Helena Coelho

Quando retomei contato com Helena Coelho para escrever sobre seu trabalho aqui no Coisicas Artesanais, em outubro do ano passado (veja aqui), eu fui recebida em sua casa com a alegria e o carinho de sempre! Naquele encontro gostoso, acompanhado de biscoitos e cafezinho, a entrevista que havia imaginado perdeu qualquer tom de formalidade e virou um delicioso bate-papo conduzido pelo carisma incontestável de Helena, que ficou à vontade para abrir seu coração e nos contar, dentre outras peripécias, como foi o momento em que se descobriu uma Artista Naif... 

Coisicas Artesanais - Helena, onde você nasceu e em qual data?
Helena Coelho - Precisa dizer o ano? rs...

C.A. - Não, fica à vontade! Eu tenho umas amigas que respondem apenas que nasceram no século passado! (Mas eu cá tenho minhas dúvidas se isso é uma boa tática, rs...)
H.C. - Ok, rs... Nasci no Rio de Janeiro, em Botafogo, no dia 1º de março de 1949. Tenho 67 anos...

C.A. - Primeiro de março? Junto com o aniversário da cidade?!
H.C. - Sim, um orgulho pra mim!

C.A. - (Tá vendo? A gente pode desviar o foco do ano de nascimento facilmente! rs) ... E eu li em alguma fonte por aí que essa data coincidiu com uma terça-feira de carnaval, é verdade?
H.C. - É, rs...

C.A. - Mais carioca impossível!
H.C. - Não é? rs...

C.A. - Na infância, quando te perguntavam o que vc queria ser quando crescesse, vc respondia o quê?
H.C. - Anjo!

C.A. - Anjo?!?!
H.C. - Anjo!! rs

C.A. - Que fofo! E que inusitado! (rs)
H.C. - (Rs) Mas eu gostava muito mesmo (não que eu quisesse ser, porque eu sabia que era impossível pra mim na época) era atuar... Eu queria atuar, eu queria trabalhar no teatro, sabe? 

C.A. - E, entre as suas brincadeiras favoritas, você aproveitava para encaixar esse sonho do teatro?
H.C. - Sim! Eu brincava com bonequinhas de papel marchê, brincava de teatro... Eram bonecos que uma professora emprestava e eu fazia as histórias de acordo com cada boneco. Eu pedia a minha avó... Eu ficava bem boazinha durante a semana e pedia a minha avó, que era lavadeira e ela estendia as peças de roupa na vila que nós morávamos, ela prendia o varal de uma casa a outra e botava os lençóis dos fregueses, essas coisas... E eu pedia a ela se me emprestava os lençóis pra fazer de cortina dos teatros - que nós brincávamos também de atuar. E com os bonecos, eu pedi pro meu tio fazer uma caixa grande e fazíamos ali marionete. Eu e os meus colegas da vila, cada um tinha uma função: um ficava na bilheteria, outro ajudava nas falas... E cobrávamos ingresso!

C.A. - Que bacana! E quem assistia a essas peças?
H.C. - As outras crianças, os pais das crianças, principalmente da vila.

C.A. - E, além de atuar e brincar de marionetes, a  Helena meninota também gostava de pintar? Havia algum prenúncio ali da Helena artista plástica?
H.C. - Não. Engraçado... porque eu não tinha... eu não fazia nada de desenho, nada. Eu só vim perceber que eu podia pintar, ou melhor, desenhar (porque no começo eu não pintava, eu desenhava só) foi quando eu fiquei doente, já adulta, com 40 anos... Eu tive que operar a lombar e fiquei um ano sem trabalhar - que naquela época a recuperação era difícil, hoje em dia é tudo rápido. E eu fiquei um ano sem trabalhar e nisso eu fiquei agoniada, porque eu sou hiperativa, né? Eu lia, mas leitura não me bastava, ver televisão não bastava, nada me bastava. Aí eu comecei a desenhar em pedaços de papelão, que eram de umas caixas de biscoitos que eu ganhava...

C.A. - Então esse dom pictórico se manifestou em você, primeiramente, pelo desenho e por ocasião de estar agoniada em casa, para espantar o tédio...
H.C. - É.

C.A. - E quando "caiu a ficha" de que aqueles desenhos podiam representar bem mais que um simples passatempo?
H.C. - Eu dividia o apartamento com uma colega minha e ela estava indo lavar o carro... e estava perto da hora do almoço, então eu pedi pra ela trazer uma comida pra mim quando voltasse. E as horas foram se passando, se passando, se passando e... Quedê? Ela fez mil coisas além de lavar o carro, almoçou e "não sei o quê" e esqueceu da minha comida. E a minha fome foi aumentando e eu fiz um desenho dum menino no balcão, o prato vazio, esperando a comida, né? Quando ela chegou e viu o desenho ela falou que era muito legal, que era coisa de artista e aí eu fui mostrando os outros desenhos que eu fazia pra outras amigas que vinham me visitar e uma delas me deu um monte de material de pintura, sabe?

Coisicas Artesanais - Entrevista com Helena Coelho
Lápis (algum tédio e muita fome) sobre papelão de biscoito: prima obra de Helena ;)

C.A. - Uau! Helena, que incrível esse teu desenho! Quanta expressividade naquele olhar!... E, vem cá... Até então você nunca tinha pensado em pintar?
H.C. - Não. Só que aí eu cismei que eu tinha que aprender, que eu não sabia de nada... Aí eu pedi pra essa minha colega, que me deu o material, pra ela me indicar uma professora. Só que... eu fiquei lá durante um mês e pouco mas a professora debochava das coisas que eu fazia...

C.A. - Como assim?!?! Ela não via ali um tipo de linguagem específica?!
H.C. - Ela sabia, ela sabia. Mas ela não... Ela achava que a gente tinha que fazer só coisa de Escola de Arte, sabe? E, nesse ínterim, uma outra conhecida minha, que era funcionária do Museu Judaico, quando viu os meus trabalhos ficou louca. E aí ela falou que ia levar fotos pra uma das curadoras do Museu Nacional de Belas Artes, pra ela ver o meu trabalho.

C.A. - Os mesmos trabalhos que a professora zombava, certo?
H.C. - É. Tudo "cortado", muita coisa "cortada", eram as minhas peças mutiladas...

C.A. - Por conta da interferência da professora...
H.C. - É. Mas... mesmo assim eu consegui fazer uma exposição no Museu Nacional de Belas Artes! E foi o maior sucesso!

C.A. - Uau!!! E foi nesse momento que alguém te contou que aquilo que vc fazia era naif?
H.C. - Foi. Foi um curador de lá também que veio falar comigo e me perguntou: "você conhece o museu naif?" Aí eu disse assim: "não". Aí ele: "não sabe o que é pintura naif?" Eu falei: "não".

C.A. - Deixa eu adivinhar... Aí ele te disse: "é isso aí que você faz"..
H.C. - É (rs), ele me disse: "é isso aí que vc faz"! rs... Agora você vê como é que as coisas são engraçadas! Eu comecei de cima, né? Rsrs!

C.A. - Sim! No Belas Artes! =)
H.C. - É! Mas não foi sozinha. Como eu não tinha um número grande de quadros, a curadora chamou um outro artista para dividir a exposição comigo. Mas tinha estandarte e tudo na porta! Rs...

C.A. - E depois disso vc foi procurar o Museu de Arte Naif?
H.C. - Fui. Quando o curador do MNBA falou do museu naif ele me disse: "quando vc for nesse museu vc vai reconhecer seus quadros".

C.A. - E aí? Rolou essa identificação?
H.C. - Nossa... eu fiquei emocionada... eu fiquei muito emocionada, sabe?

C.A. - Posso imaginar! ... E como se desenrolou esse contato lá no Museu de Arte Naif?
H.C. - Então. Mostrei aqueles trabalhos pro presidente do museu, a maioria ainda com a interferência da professora. E aí, ele falou assim pra mim: "você tem que fazer igual a Gauguin, esquecer tudo o que vc aprendeu"... (Ora, mas eu não aprendi nada! rsrs...) Ele falou: "esquece tudo, começa a pintar agora as coisas que vc sente, as coisas que vêm do seu coração; pinta, vai pintando e quando vc tiver uns 5 ou 6 quadros, vc traz aqui pra eu ver". Aí eu fui fazendo e fiquei quase um ano indo lá e ele sem me responder. Não falava absolutamente nada, se estava bom ou se estava ruim... Eu ficava agoniada... E aí, quando tinha um ano e pouco ele falou assim: "Helena, quantos quadros vc tem que já trouxe aqui pra mim?" Eu falei que uns 30 e aí ele falou assim: "bom, então eu acho que já dá pra fazer uma exposição individual"... Olha... eu fiquei doida!...

C.A. - Ai, aguenta coração!!! E como foi?? =)
H.C. - A exposição encheu pra caramba! Eu sei que era um tal de gente ficar perto do quadro pra "segurar" enquanto mandava o marido pagar! Rsrs... Até o meu sobrinho que era criança na época falou assim: "tia, você está rica" rsrs... Eu lembro que eu vendi pra caramba!

C.A. - Que delícia, Helena! E, vencido o equívoco das primeiras aulas com aquela "professora", depois que vc identificou a tua linguagem e "encontrou a tua turma", vc procurou outro professor para se aperfeiçoar?
H.C. - Olha, me chamaram, vários, vários professores de arte me chamaram pra fazer cursos... Eles falavam "Helena, você tem um desenho maravilhoso, aprende para vc aperfeiçoar", eu falava: "não quero". Porque se eu fizesse isso eu iria acabar com a pureza do meu trabalho, porque aí eu poderia começar a "julgar". E eu não penso nada disso. Eu vou fazendo. Eu faço. Se certo, se errado... Não existe "errado" pra nós.

C.A. - Bacana... Concordo com vc sobre a necessidade de não perder a pureza... O "estudo", algumas vezes, acaba engessando a criatividade mais essencial, né?... Então, mas, me conta: como é o teu processo criativo? Como você passa pras telas o que sente no coração?
H.C. - Tem o professor de uma amiga minha que ele acredita assim: que nada a gente produz antes que seja produzido lá em cima, rs, pra ele a gente só cria aqui o que já está "escrito nas estrelas", rs... E é verdade, é verdade, porque quando vem a inspiração, às vezes vc tem o quadro todinho na cabeça mas aí vc olha pra tela e aí que é "o parto". Às vezes vem prontinho, pronto, e outras vezes não, sabe? É mais demorado. Mas, no final dá tudo certo! Já teve ocasião de eu ter sonho e levantar para pintar o que tinha sonhado e depois voltar pra dormir, rs...

C.A. - Rs... Divertido... Eu sei que vc retrata muitas cenas do Rio de Janeiro, mas também santos católicos, orixás, festas, encontros... De tudo isso, qual é o tema que mais te dá prazer trabalhar?
H.C. - Roça.

C.A. - Roça?!! Poxa, mas eu nunca vi um quadro teu de roça... 
H.C. - É que eles saem rapidinho! rs...

C.A. - Ai, e eu amo muito esses temas interioranos...
H.C. - Eu nunca morei na roça. Nunca morei "aqui-agora", mas devo ter morado de alguma outra forma, rs, porque eu AMO fazer o interior, sabe? Não é nem a cidade do Rio de Janeiro... Eu faço Rio de Janeiro porque eu acho um abuso eu ser daqui do Rio e não fazer nada do Rio, rsrs...

C.A. - Ah-é! Vai morar numa "cidade-cartão-postal" e não vai retratá-la!? Rs... E, vem cá, já teve quadro que vc precisou modificar por conta de exigência de algum cliente?
H.C. - Ah, já! Teve um que eu estava fazendo com o Cristo Redentor de costas para quem vê o quadro, né, porque ele estava virado para a Baía de Guanabara que estava ao fundo da cena e uma amiga minha quando viu achou lindo e quis comprar, mas ela pediu pra eu virar o Cristo de frente! rs... E já teve quadro meu com igrejas (e em cima de igreja tem cruz, né?), mas já tive que tirar a cruz porque os interessados eram judeus, aí, no lugar da cruz já botei cata-vento, pássaro... rsrs...

C.A. - Releituras criativas! Adorei a ideia do cata-vento! rs... Helena, querida, com essa bagagem tão rica de experiências e com tantas histórias que vc já vivenciou e tem para contar, vc teria uma dica para dar àqueles que estão começando agora no caminho da arte?
H.C. - Bom, em primeiro lugar, nunca depender só da arte no começo, para que vc não se prostitua, para que vc não fique se copiando, copiando os outros e, nisso, perdendo a sua essência, né? Que é muito difícil no nosso país, mas existem casos que a gente sabe... Mas que a pessoa que está começando não seja tão vaidosa a ponto de achar que pode porque aí é grande o risco de entrar pelo cano, né? E trabalhar muito. Tem que trabalhar muito, muito, se dedicar. Trabalhar, trabalhar, trabalhar, sempre. Até a mente ir abrindo campo pra te trazer novos temas. E andar sempre com uma cadernetinha pra ir anotando as ideias. Agora eu já não faço tanto, mas antigamente eu anotava: palavras, frases, tipo da pessoa... Alguma hora aquilo iria servir! rs...

Coisicas Artesanais - Entrevista com Helena Coelho
Helena Coelho em seu ateliê, no dia em que me recebeu pruma deliciosa prosa!

Helena, querida, obrigada por conceder essa entrevista aqui para o Coisicas Artesanais, obrigada por nos mostrar o primeiro dos teus desenhos (e que veio desencadear tantas outras histórias!)... Obrigada pelas dicas preciosas para quem está começando e muito, muito obrigada pela generosidade e carinho com que me recebeu em tua casa. (Gente, a vontade era de não ir embora e continuar por lá ouvindo as histórias maravilhosas da Helena!). Querida, agradecida demais por partilhar conosco um pouquinho da tua experiência e da tua história! Teu trabalho é encantador, mas quando a gente proseia uns minutinhos contigo, a gente vê que o encanto que existe nos teus quadros vem da pessoa incrível que você é! Grata demais! Lindas inspirações sempre pra ti! ♥

E se você ainda não leu o post que fiz aqui no Coisicas sobre o trabalho da Helena, dá uma olhadinha  aqui, ó!
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