Vi o trabalho do
Rodrigo Diniz pela primeira vez numa loja de artesanato brasileiro dentro de um
aeroporto no Rio de Janeiro. Na ocasião, fiquei encantada com um pequeno Santo
Antônio de cerâmica na primeira prateleira, praticamente junto ao chão, carregado
de um simbolismo muito diferente das comuns representações de Antônio na
iconografia tradicional católica (aquela com o santo de pé trazendo o menino
Jesus nos braços). Aquele Antônio encontrava-se agachado, de joelhos, para
ficar da altura do menino Jesus (este sim, de pé) e trazia na mão direita o
tradicional ramalhete de lírios, repousando a mão esquerda sobre o ombro
direito do Menino, num quase-abraço misto de ternura e reverência.
Aquela peça me tocou profundamente. Ela me trazia uma mensagem arrebatadora de
humildade: não era Jesus que estava no colo do santo, sendo por ele amparado.
Era o santo que se ajoelhava de encontro ao Menino!
Quanta coisa pode trazer, incutida em si, uma obra! Coisas que, nela, não
necessariamente são intencionais mas que estão ali presentes para ir de
encontro ao que cada um de nós carrega dentro de si: memórias, histórias
ouvidas, uma pessoa querida...
Aquela postura daquele Antônio me fez lembrar um costume indígena que eu ouvi
da boca de uma antiga amiga, amante e pesquisadora de músicas e culturas... Ela
contou certa vez que, entre os índios de algumas etnias, os adultos sempre se
ajoelham diante de um curumim quando devem lhe dizer algo e que a intenção desse
gesto é fazer-se "pequeno", do tamanho da criança, para que esta
receba o ensinamento (conselho ou reprimenda) de alguém que a está olhando nos
olhos, de igual para igual, nunca de cima para baixo... Quanto respeito e amor,
quanto ensinamento num gesto tão simples! Aquele Antônio me trouxe esta e
outras reflexões...
Duas coisas me agradam em cheio nesse Antoninho do Rodrigo Diniz. E têm a ver com um
certo aspecto de algumas representações populares que fogem das imagens-padrão
de santos que conhecemos. A primeira coisa é mais imediata: é esse gostinho bom do inusitado, do que te
surpreende e quebra a tua expectativa - e quebra junto o "molde" que
serve/serviu para identificar e "enformar" Antônios, Joões, Beneditos
ou Conceições...
A outra coisa que me agrada é que justamente essa ruptura do padrão
iconográfico vem trazer "vida" para este Antônio (ou para o João,
para o Benedito e para a Conceição que povoam o meu ou o teu imaginário).
Quando um artista tira um santo do pedestal, da cruz, da posição de "pose
para foto" (ou seja lá de qual outro "lugar" ou
"forma" que lhe tenha sido "consagrado" ao longo de séculos de
história) e o representa numa cena cotidiana, num ato comum, num momento
inusitado, este artista está emprestando humanidade e vida àquela figura e,
consequentemente, a está aproximando das nossas vidas.
É inegável que este
doce Antônio está carregado de vida! Porque ele tem um gesto próprio, só seu.
Porque ele saiu do molde onde costumam se encaixar outros Antônios e foi se
ajoelhar diante do Menino-Deus... pelas mãos de Rodrigo Diniz...
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Santo Antônio do Diniz |
Não comprei a
belíssima peça naquela ocasião. Além de eu estar saindo do Rio em viagem (não
seria prático, portanto, comprá-la naquele momento), quem já andou lendo
postagens minhas por aqui sabe que eu tenho a adorável, venturosa e viciante
mania de gostar de comprar uma peça diretamente das mãos de quem a fez (sempre
que possível e quando a peça é dessas que me causam tanto impacto). Não foi
diferente com a peça do Diniz.
No Santo Antônio exposto na loja havia uma etiqueta com as informações de
procedência e autoria da peça, então eu não precisei pelejar muito, fazer
promessa nem "simpatia" para encontrar o artista. (Não entendeu? Então, depois, dá uma
olhadinha nessa história aqui!). A etiqueta dizia pouco:
"Diniz - MG". Foi o suficiente. Busquei na internet e finalmente
encontrei o Rodrigo Diniz! Fiz o contato, encomendei meu Antoninho e fui buscar
diretamente com ele, numa ocasião em que estive em Belo Horizonte.
Além desses Antônios cheios de ternura diante do Menino, Rodrigo faz também muitas outras figuras sacras. Nossa Senhora da Conceição, das Graças, Desatadora, Aparecida, Santa Terezinha, Santa Rita, São Judas Tadeu, São José, presépios, enfim... É santo pra atender a todo tipo de devoção! Mas ele próprio admite: seu "carro-chefe" são mesmo os Francisquinhos - lindíssimos, aliás, e que, como aquele Antoninho, saíram da forma e foram passear pelas situações mais pitorescas e humanizadoras, sentados em burricos, dando de beber a vaquinhas, brincando no balanço com passarinhos (!)... É cada uma peça mais linda e encantadora que a outra!
Rodrigo Diniz é um moço calminho e que passa uma pacatice boa no seu jeito de ser. Gostei muito de poder conhecê-lo pessoalmente, ainda que muito rapidamente num encontro marcado no Mercado Central de BH... Trata-se, sem dúvida alguma, de um artista de grandíssima sensibilidade e cujas mãos têm um dom para além do artístico: elas dão liberdade e conferem vida a suas peças, impregnadas de traços doces e gentis de humanidade!
Encante-se com o trabalho do Diniz aqui!
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Leia aqui a entrevista que o Rodrigo Diniz concedeu ao Coisicas Artesanais!
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