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29 de junho de 2020

Histórias de não esquecer - O velho, o pássaro e o Santo


Quem vem acompanhando o Coisicas de pertinho já deve ter lido (ou escutado) as duas histórias que publiquei anteriormente, sobre o Libório (aqui) e sobre o Tuninho Passarinho (aqui). 

Se você está chegando só agora por aqui, não continue lendo esse post. Dá um pulinho primeiro nos links acima pra conhecer aquelas histórias e aqueles personagens e, só depois, volta cá pra seguir com essa leitura e poder acompanhar tudo direitinho, sem perder nenhum detalhe! ;)

Aqui também será possível apenas ouvir essa história, caso seja de sua preferência. Basta rolar a barra até o final do texto, onde está a caixa com o áudio.

Mas, então... Hoje eu venho apresentar mais uma daquelas minhas "Histórias de não esquecer"... Mas esta nem chega a ser, assim, por bem dizer, uma históóória propriamente dita, pois que não nos traz nenhuma "novidade", nenhum "causo", nenhum novo personagem (ao contrário), e visto se tratar mesmo de um certo desfecho, uma conclusão... Curtinha e ligeira, tem tons amarelados de fim de tarde que poderão deixar a impressão de um "té mais ver" depois de uma longa e boa prosa...

Por ora, então, até mais ver! ;)





Histórias de não esquecer 
Simone dos Santos


Aos meus avós...
E aos teus também.


Capítulo ... VII (?)

O velho, o pássaro e o Santo




            Sentado na varanda de casa, o velho puxava pela memória de certa vez que viajou dois dias em lombo de burrico pra mor de acudir um menino acamado de mágoa... A viagem foi demorada por causa de que era já bem velho naquela ocasião e a coluna não suportaria galopada de ligeiro, como em época de sua mocitude - razão pela qual escolheu de ir mesmo em burrico, que é bicho pacato e de pernas curtas, que assim poderia tolerar bem a lonjura e os solavancos do caminho... E seguiram devagarzinho, velho e burrico, parandinho ao longo do trajeto, por necessidade de pouso pra descanso ou de comida mesmo  (para ambos), em casa de quem pudesse ou quisesse ajudar - que todos eram muito dispostos a acolher e ajudar o bom velho, muito querido e afamado em toda aquela região pelo seu dom de cura e caridade.

            Puxava essas coisas pela memória, daquela viagem tão custosa que fizera pra acudir ao menino de nome passarinho (e se ria, o velho, da alcunha do menino!) e se perguntava também, rememorando aquele ocorrido de tantos anos já se iam, se o pequeno teria compreendido as coisas que ele falou sobre o bem-querer, sobre o amor - que são, afinal, a mesma coisa, posto que amar é querer o bem de quem se ama e regozijar-se no bem do outro... Receava mesmo que não, não teria entendido, não, pois que era tão novinho, meninote ainda... Mas que, agora, devia era de estar moço-feito já e talvez tivesse melhor entendimento..., mas será que se alembrava?... Como será estaria aquele menino?...

            Foi despertado de seus pensamentos (vejam só, vocês...) pela cantoria estridente dum saíra que pousara na goiabeira sobejada de frutos no quintal. Que belezinha de saíra! Que, pelo capricho e vivo das cores das penas, haveria de ser saíra macho, sim... E que, pela estridência estrepitosa no seu modo de piar e pelo modo irrequieto e afoito como o bichinho se movia e se agitava, tudo fazia crer - e o velho sabia bem: era certo que vinha fugido d'alguma gaiola ou arapuca na redondeza, vinha sim... Ora! Melhor pro bichinho! E se ria, o velho, da liberdade flagrante e da graça vivaz daquele bichinho! E daquele instante.

            Curioso, isso, né?.... Creio que estamos todos nos fazendo a mesma pergunta agora... Pois que todos nós, que sabemos da história do Tuninho e sabemos que Tuninho ganhou um saíra depois que o velho esteve em sua casa, e que cuidou do bichinho por tantos anos e que acabou por se lembrar do velho e de soltar o seu saíra pra liberdade, agorinha, há bem pouco, e que poderá estar, ainda, nesse instantinho mesmo, o Tuninho, se refazendo do choro em colo de Beré, sua mãe, todos nós vemos nesse fato, dum saíra ter pousado ali no quintal do velho, na exata hora em que o velho se recordava do menino, uma coincidência demasiado novelesca, né não?

            Mas o velho não poderia supor tais coisas e, portanto, pareceu-lhe coisa muito comum um saíra pousar ali, e que, ademais, fato é que o velho não acreditava em coincidências, não senhora, não senhor, pois que cria mesmo era que cada petalinha que se desprende du'a flor e que cai sobre a relva, no chão, tem sua razão de ser nessa vida nossa - que é de Deus. Mas que... ao receber visita assim, de bichinho todo serelepe celebrando e agradecendo a vida, ali no seu quintal, justo naquela hora, quando recordava e matutava aquelas coisas, o velho, no seu íntimo, teve sua resposta... E estava satisfeito por demais com isso e, de resto, naquela hora, não importava mais nada, não.

            Mas... que a tardinha mal chegara e já se ia! Aqueles dias de outono eram mesmo assim, curtinhos... Ou então era ele que estava demasiado velho já pra acompanhar a rapidez dos novos tempos sem se espantar! Afe... Hora já de se recolher... Antes, contudo, o velho fez o de costume: encheu seu copinho de pinga e derramou um gole pra Santo Onofre, com quem tinha grande apego de fé, desde moço ainda - história comprida... Bebeu o gole que era o seu, o segundo, e entrou pra casa mor de se abrigar, pois que a noite vencia já os últimos lampejos da luz do sol e que, já-já, haveria de esfriar um bocado!




Para ouvir essa história, clique abaixo:


"Histórias de não esquecer" é um projeto de livro de autoria de Simone dos Santos, com histórias que narram 'causos' e apresentam personagens cada vez mais raros nos dias de hoje... Uma maneira de tentar abrandar a velocidade com que vamos nos esquecendo dos modos de viver, das crenças e das situações que ocuparam a existência dos nossos avós e bisavós quando eles passaram por aqui e que, assim, "desesquecendo", possamos tê-los por perto um bocadinho mais...


* * *

21 de junho de 2020

Histórias de não esquecer - Lição de amor de Tuninho Passarinho



Dando continuidade ao movimento de desembolorar meu velho, engavetado e esquecido projeto de livro, deixando-o tomar sol à janela, hoje venho apresentar mais uma daquelas "Histórias de não esquecer"... 

Se você não conhece a primeira história (publicada aqui), não prossiga nesse post ainda. Dá um pulinho lá primeiro e depois volta aqui pra poder acompanhar tudinho! ;)

Neste, como naquele primeiro conto, eu fiz um áudio pra narrar a história. Se você prefere ouvir, em vez de ler, rola a barra lá pra baixo e clica no vídeo que se encontra ao final do texto.

Boa leitura/audição! ;)




Histórias de não esquecer 
Simone dos Santos


Aos meus avós...
E aos teus também.


Capítulo ... VI (?)

Lição de amor de Tuninho Passarinho





            Chamavam assim, o Tuninho, de passarinho, por causa de que o moço era apaixonado em passarinhos desde muito pequetico, meninote ainda...

            De um tudo ele fez pra aprender com o tio as manhas de passarinheiro, mas que isso não estava no destino dele, não estava mesmo não. Que toda vez que ele se embrenhava no mato mais o tio e as demais crianças pra caçar passarinho, toda vez que ele ia junto, a jornada ficava prejudicada, sabe? Voltavam todos de mãos abanando...

            O tio supunha que a euforia do menino era tanta, mas tanta, que mesmo o Tuninho se esforçando muito pra ficar atento e quietinho, a afobação dele acabava por trair eles tudo do grupo, pois que a própria respiração do moleque ficava tão desarvorada que perigava té de levantar saia de moça desprecavida! E que o batimento do seu coração ficava tão estrepitoso que mais parecia era desfile de fanfarra em dia de festa na cidade! É. Daí que esse rebuliço todo da euforia do Tuninho, mesmo que em silêncio, mesmo que quietinho, ficava pairando no ar, sabe? Aquela animação espaventosa toda dele ficava vibrando no ar de tudo em derredor...

            E todo mundo sabe (ou ao menos devia de saber) que esse agito todo que se faz no  ar, mesmo que surdo ou invisível, é percebido por algumas gentes, né? É sim. E por bicho também! Diz que é coisa de grande sutileza, isso... E que bicho sente tudinho-tudinho, essas coisas... Quando tem perigo, quando há tristura ou quando está auspicioso um lugar... Os bichos sentem e entendem tudo o que paira no ar... E reagem de conforme: se arredando, se amuando ou se deixando refestelar... Que eu podia era contar um monte duns causos aqui mor de comprovar isso e tenho certeza que todo mundo aí há de conhecer causo assim... Ói lá se você também não conhece um desses!... Mas eu vou citar é um só (mor de essa prosa não se estender demais pr'além da conta), que foi o ocorrido com a cadelinha de Dona Dóca, mãe do Quinzim - aquele moleque atentado qual o cão! Deus que me perdoe!...

            Pois que Dona Dóca, ela própria, já contou foi pra vizinhança inteirinha essa história da cadelinha Neca... Diz que foi na vez que Dona Dóca arriou acamada de perigar té morrer por conta dum nó de tripas ou coisa assim... Diz que nesse período todinho que ficou adoecida, a Dona Dóca, entre a vida e a morte, a Neca entristou dum tal jeito, a bichinha, que parecia té doente mais a dona. Que não mais brincava com a criançada na rua, não mais dava carreira nas galinhas do vizinho, não mais comia nem do anguzinho com raspa de arroz que deixavam na cumbuquinha dela todos os dias, comia não... Fazia só era viver chocha e macambúzia,  deitada nos fundos do quintal, o focinho apoiado na soleira da porta da cozinha como que a esperar que a dona viesse lá de dentro, como era costume, e lhe fizesse um afago no focinho... As orelhas compridas e alertas de outrora, agora arriadas; o rabo agitado e serelepe de outrora, agora arriado; os olhões muito vivos e saltitantes de outrora, agora dois furicozinhos arriados, enoitecidos... Que dava té dó de ver a bichinha, magrinha que era só osso, anuviada e pesarosa, parece que sabendo a preocupação de todos da casa naquela hora e preocupada, também ela, com Dona Dóca...

Diz que só fez melhorar, a Neca, foi quando Dona Dóca melhorou um bocadinho e desacamou. Foi. Que só quando Dona Dóca desacamou, foi que a Neca, de primeiro, voltou a comer e, de depois, quando Dona Dóca sarou de vez da enfermidade mesmo e vinha já cá fora tomar sol, catar flor de macela pra fazer chá ou estender roupa no varal e fazia uns afagos na bichinha, foi que Neca voltou a correr atrás de galinha e brincar com a molecada, feito finalmente sarada ela também: tudo de volta à normalidade. O fato, deveras curioso - todos hão de concordar, deixou Dona Dóca tão orgulhosa, mas tão orgulhosa do amor daquela bichinha por ela, que ela conta é pro mundo inteirinho essa história!

            Pois que os bichos têm mesmo das suas astúcias. Bobo é aquele que pensa que não! E tem quem diga por aí que não tem bicho mais esperto e sensível pressas coisas de energia que fica pairando no ar do que passarinho, não tem não senhora, tem não senhor! E daí que aquela animação espaventosa toda do Tuninho, aquele alvoroço todo causado no ar pela sua alegria em dia de pegar passarinho, acabava que alertava a passarada toda pro risco da captura iminente e daí que, então, os bichinhos debandavam tudo, arredando pra bem longe de onde quer que o grupo se achegasse naqueles dias, mesmo que se achegassem, todos e cada um, muito de mansinho... Tinha jeito não...

            Pois que era coisa muito certa mesmo aquilo: toda vez que Tuninho ia junto mais o grupo apanhar passarinho, voltavam todos frustrados do malogro, que nenhum passarinho, nenhunzinho só, nem nadica de bichinhozinho nenhum eles conseguiam capturar não! A gurizada mais novinha já caçoava do coitado, zombeteava de ele ser pé frio, e os mais experientes, zangados por demais com a desventura daquelas investidas, reclamavam pro tio dele, que assim não podia ser, que não podia, não senhor, que Tuninho ficasse, que não seguisse no grupo mais não, que Tuninho, quando ia, estragava era tudo! 

            O tio sabia que os meninos tinham razão, mas tinha era muita dó de deixar o Tuninho pra trás, pois que sabia o tanto que o menino era encantado com passarinho e o tanto que queria aprender os artifícios de passarinheiro e que, ainda por cima, perigava era de ficar mesmo muito magoado, o Tuninho, de ser deixado pra trás. Mas precisava mesmo de arrumar um jeito de  deixar o sobrinho de fora das caçadas... E arrumou.

            Chegou um dia dizendo pro Tuninho que tinha um serviço muito importante pra ele e que, se o menino queria mesmo aprender a caçar passarinho com maestria, tinha que conhecer as bases do saber e tinha que ter a mão boa e jeitosa pra reparar u'a gaiola e montar u'a arapuca, por exemplo, e que, então, daquela vez, ele ficaria fazendo o importante serviço, que era montar u'a arapucazinha, como se fosse lição de casa, pro tio ver depois, e que isso era serviço de grande importância mesmo e de paciência e... 

            Afe! Que Tuninho logo notou que a arapuca estava armada era pra ele! Conversa fiada do tio! O tio, muito paciente, tentava explicar que era importante sim, mas o menino não aceitava aquilo não... E foi aumentando de intensidade a querela, o Tuninho, conforme o tio ia se mostrando impassível na resolução. De primeiro, resmungou, fez beicinho, chorou... De depois, chorou aos berros, esperneou, bateu o pé, fez pirraça, malcriação... Ficou tão bravo, mas tão bravo, o Tuninho, que té xingar, xingou! Disse que o tio metesse arapuca e ferramentas e tudo o mais em certo lugar que nem me atrevo a repetir aqui, que me causa pudores! 

           Mas... Gente!... Que isso era coisa mesmo muito séria, viu? Que criança, naquela época, não xingava não! Era u'a quebra de modos que mãe nenhuma nem pai nenhum haveria de aceitar, mas de jeito nenhum! E daí que a mãe do Tuninho, Dona Beré, quando ouviu o que ouviu da boca do menino, ficou tão brava, mas tão brava, que deu u'a bela du'a coça no menino e, enquanto coçava, ralhava, ela, que era pro moleque deixar de atrevimento, se isso lá era a educação que ela dava pros filhos, que ele nunca mais haveria de envergonhar ela daquele jeito e que agora mesmo é que ele não ia mais a lugar nenhum, que ficaria no quarto de castigo e que agradecesse ainda de ela não fazer o moleque mastigar u'as pimentas e engolir! O tio ficou triste e acabrunhado por demais, que não carecia de Berenice bater no menino, fizesse aquilo não, pelo amor de Deus, Beré, que dava té um remorso no tio!... Mas que, daquela vez, pelo bem ou pelo mal, a coisa ficou, por assim dizer, resolvida daquele jeito, né? E o tio, no fim das contas, saiu mais a meninada sem o Tuninho... 

           Mas que foi um chororô naquele quarto aquele dia inteirinho! Mas que não era nem propriamente pela surra tomada, não! Era de não ter seguido com o tio pra apanhar passarinho! E chorou tanto, mas tanto, o Tuninho, que, por fim, acabou caindo no sono, exaurido, com a cara toda amarfanhada em caramunha de choramingo. Dona Beré não se abalou e, embora o coração se espremesse todo no peito, de ver o menino tristonho e choroso daquele jeito, mante-se impávida e firme no propósito do corretivo: que servisse pra ele refletir e se arrepender do feio que fez! 

           No dia seguinte, acordou se ardendo em febre, o Tuninho, com espasmos e tremor de calafrio, choramingando baixinho que gostava tanto de passarinho, gostava tanto de passarinho..., fazer arapuca coisa nenhuma não, que queria era pegar passarinho, pegar passarinho... Já lá se ia bem pr'uns 3 dias acamado assim, resmungando daquele jeito e se ardendo em febre, quando finalmente chegou um velho curandeiro de grande valia que foi chamado de vir dum arrabalde de cidade vizinha mor de rezar o Tuninho - que Dona Beré, agora já bem aflita e de coração na mão, tinha ouvido falar do velho e tinha fé que pudesse ajudar...

O velho pediu que Dona Berenice ficasse junto mais ele durante o benzimento. Disse que ela devia de pedir a Deus pelo filho também, que não se fiasse só na reza dele, não, pois que prece de mãe é tão forte, mas tão forte, que se amplia ecoando nos Céus e tornando cá na Terra em forma de graça na vida dos filhos - té mesmo depois da morte! Ave-Maria-meu-Deus! E que ela não duvidasse, não senhora, daquilo que ele dizia, pois que o que dizia  era  caso sucedido de verdade assim mesmo, sabe? Desse jeitinho, assim mesmo...

            O Tuninho, tadinho, daquele jeito, né? Se tremendo todo, o bichinho, resmungando coisas sobre passarinho, aqueles dias todinhos!... O velho, então, se aprochegou da cama do menino e segurou com as suas mãos firmes e enrugadas a cabeça do pobrezinho e, daí, começou u'a benzeção baixinha, balbuciada feito que nem se fosse um cochicho, mas que ressoava naquele quarto inteirinho... A mãe, tão aflita, coitada, mas também por demais comovida com as palavras do velho sobre o poder da prece du’a mãe, rezava também, de pé, num canto do quarto, atenta a tudo... Dali um pouco mais, o Tuninho foi parando de tremer de bocadinho, de bocadinho..., cessou finalmente a matraca e foi serenandinho, aquietandinho, e começou um suadourozinho de leve, de repente, já adormecido, feito se um anjo tivesse entoado u’a canção de ninar ali... Tinha no rosto, vermelho ainda do ardido da febre, agora u'a feição suave e entregue, de menino que adormece sabendo-se em proteção...

            O velho vergou o tronco, com a dificuldade comum a um homem já tão velho, mor de poder chegar pertinho do ouvido do menino e, então, balbuciou alguma coisa mais que Beré não pôde entender. Parecia conversar com o Tuninho, bem baixinho, mesmo o menino adormecido... Por certo haveria de ser alguma última prece pra finalizar o benzimento, pois que, depois disso, o velho levantou-se devagar e fez o sinal da cruz três vezes no menino com um atado de folhas perfumosas como o quê! Disse à Dona Beré que o mau já havia passado e que Tuninho acordaria já bom e como novo no dia seguinte, que ela despreocupasse agora... E cobrou dela, por fim, a paga já combinada de prévio: u'a garrafa de pinga. Mas que Dona Beré não pensasse mal dele, que não era pra ele, não senhora, viu?...

            Caso é que, no dia seguinte, o tio do Tuninho chegou de mais uma daquelas investidas passarinheiras com um presente pro menino: um saíra-sete-cores macho - que o macho tem as cores 'inda mais lindas! Caiu na arapuca, o bichinho, mas não tinha grande valor não, porque é bicho que canta mal, mas tem u’as cores tão vistosas e alegres e bonitas que o tio entendeu de levar pro Tuninho, tadinho, mor de lhe fazer um agrado e tentar corrigir a desfeita. Mas... Eita, o cabrunco! Passarinho mais danado de bonito que só! Sete cores que nada! O bicho tinha era pra mais du’as mil cores! Uma belezura de dar gosto de ver! E a alegria do Tuninho ao ver o bichinho?! Minha Nossa Senhora! E que coisa mais emocionante que foi ver também o brilho radiante nos olhos de Dona Berenice, quando seu menino saiu saltando assim da cama, todo serelepe em algazarra, esbanjando alegria, esbanjando saúde, esbanjando vigor de menino! Tinha sarado, o seu Tuninho! 

            O que ninguém sabe direito é se Tuninho melhorou mesmo foi por obra da reza do velho ou se por efeito do presente do tio, que foi inegável a alegria do menino quando viu o saíra! Ou, ainda, se sarou sozinho mesmo, né? Pois que, depois de 3 ou 4 dias, essas maleitas sem razão costumam mesmo é ir-se embora sozinhas, todo mundo sabe disso, né não? Ora... Mas que ninguém levantasse suspeita du’a coisa dessas em presença de Dona Berenice, se a doença foi-se embora sozinha ou se foi o presente do tio que sarou o menino, pois que ela haveria de defender com toda fé que foi a reza do velho! (Que, agora, no seu coração, ela sabia ter sido reforçada também pelo peso de sua prece de mãe)... Mas o fato sucedido, de verdade, e que não deixava margem pra dúvida a ninguém, é que o menino, finalmente, estava bom!

            O tio explicou que aquele saíra era bem novinho ainda, que isso se podia notar pelo tom das penas e pelos pezinhos, pouco enrugadinhos, e que um saíra bem cuidado vive pra perto duns trinta anos, de modo que, se cuidasse bem do bichinho, o Tuninho - e era pra cuidar muito bem - aquele passarinho haveria de ver o menino virar um homem já em bigodes!

Pois que virou u'a verdadeira paixão na vida do Tuninho, aquele passarinho. E que ele nem birrava mais de não seguir em outras caçadas mais o tio e o resto da meninada, nem se importava de ir não! Ah, mas se o tio soubesse, teria arrumado um saíra antes! Que agora o Tuninho queria mais era passar o dia inteirinho ‘garrado na gaiola, conversando mais o bichinho... E dando comidinha, trocando a água e admirando a belezura toda do seu saíra. Mas como era lindo aquele saíra!

            Conversava todo santo dia com o bichinho. E limpava a gaiola, soprava casca de alpiste pra fora da cumbuquinha, punha mais, trocava a água, pendurava novas frutinhas no ganchinho que pendia pra dentro... Todo santo dia, fizesse chuva ou fizesse sol... Um tal zelo e dedicação por parte do Tuninho, que nem seria exagero dizer que aquele saíra tinha vida era de príncipe!... No comecinho, Dona Beré pensou se tratar de fogo de palha, aquele cuidado todo, e que, u'a vez passada a surpresa da novidade, sobrariam pra ela as obrigações pra com o bichinho, mas não... O tempo foi passando, foi passando e Tuninho, a bem dizer, agora já quase um rapazinho, continuava dando todo amor pr'aquele passarinho. 

            Dava tanta atenção pro bichinho que, com o tempo, passou a notar como andava tristinho o seu piar... E, depois, com mais tempo, nu'a certa vez que pôde reparar bem fundo nos olhinhos do bichinho, viu também que seu saíra guardava u'a certa tristura... Foi se encafifando com aquilo, o Tuninho... Que alguma coisa estava errada, muito errada, naquela história, sim senhora, sim senhor... Que como é que podia u'a coisa daquelas? Se ele gostava tanto do bichinho, se era seu melhor amigo, se limpava a gaiola todos os dias, trocava a água, dava comidinha, conversava tanto com o bichinho, amava tanto aquele saíra, fazia té carinho no cocuruto do bichinho! Mas então, qual seria o motivo de tanta tristura no seu saíra?

            Passou a amofinar o juízo com aquilo, ensimesmou-se... E terminou por concluir que o bichinho devia de achar a vida u’a coisa bem manca e desimportante, trancafiado naquela gaiola... e que, por mais que Tuninho cuidasse, por mais que Tuninho o amasse...

            Pensando nisso, se alembrou que o saíra foi presente do tio, daquela vez que, molequinho ainda, fez malcriação e caiu doente e que, naquela ocasião, um homem velho, cheirando a beira de rio em flor, feito que nem se fosse em sonho, fez ele se sentir tão bem e disse u’as coisas tão bonitas sobre o amor no ouvido dele... 

            Afe-Maria! Que Tuninho estremeceu só de lembrar as palavras do velho e que o coração dele se apertou sobremaneira e que a garganta travou de sufocar e que os olhos marejaram de tudo embaçar, que era como uma paulada na moleira aquela lembrança assim, tão forte, tão repentina, as palavras do velho todas, uma a uma, muito claras agora, de repente, e caindo que nem u'a bomba no seu juízo e no seu coração, sobre o gesto mais bonito do amor! Pois que estava muito claro agora o motivo da tristura do seu saíra! Tuninho compreendeu! E que, naquela mesma hora que alcançou entendimento de tudo, foi que, de onde mesmo que ele estava, que trabalhava ajudando Seu Délço na vendinha da praça, o Tuninho saiu foi desembestado, pulando caixote de fruta, correndo por viela, trombando gente e bicho pelo caminho, com o coração na mão, o Tuninho! As pessoas acharam que tinha endoidecido, o Tuninho Passarinho! Onde esse moço vai nessa sangria desatada toda??

Corria era pra casa. Chegou esbaforido, aturdido, já mal segurando o choro, e foi direto pra varanda dos fundos pegar a gaiola do saíra. Dona Beré veio depressa da cozinha, afrontada de preocupação, mor de ver o que é que estava acontecendo com o filho. Seguiu o moço até o terreiro e chegou a tempo só de ver quando ele abria a portinhola da gaiolinha, erguida acima da cabeça, os braços, trêmulos, estendidos como que a apontar pro saíra a direção das árvores. O saíra ainda se demorou um instante, mas... entendendo a ocasião, de repente, avoou faceiro e foi sumir na copa do araçazeiro...

            Desabava em choro, agora, o Tuninho, mas era de soluçar! Feito que nem se fosse o menino d'uns... 8 anos atrás! Berenice ofereceu o que de melhor tinha pra oferecer naquele momento: seu colo ternuroso e infinito de mãe, ninho farto de amor e aconchego... Ficou abraçada mais o filho té que cessasse o choro do menino - sim, que nessas horas (e noutras também) ele era sempre-sempre o seu menino... De certa forma, ela sabia a dor do filho, pois que intuía tão bem que sentimento era aquele que arrebata o peito ao se abrir a porta pra deixar partir, assim feliz, a quem se ama.



Para ouvir Lição de amor de Tuninho Passarinho, clique abaixo:


"Histórias de não esquecer" é um projeto de livro de autoria de Simone dos Santos, com histórias que narram 'causos' e apresentam personagens cada vez mais raros nos dias de hoje... Uma maneira de tentar abrandar a velocidade com que vamos nos esquecendo dos modos de viver, das crenças e das situações que ocuparam a existência dos nossos avós e bisavós quando eles passaram por aqui e que, assim, "desesquecendo", possamos tê-los por perto um bocadinho mais...

Se você gostou dessa história, fica de olho! Na próxima semana tem mais uma! ;)


* * *
Atualização: conheça a história seguinte - O velho, o pássaro e o Santo - publicada aqui ;)

9 de junho de 2020

Histórias de não esquecer - A cura do Libório


'Histórias de não esquecer' é um projeto de livro inacabado, engavetado e (impossível não comentar a ironia), por fim, esquecido... Recentemente, decidi colocá-lo à janela pra tomar luz e arejar um pouco (depois de uma "prosa lunar" com uma amiga querida) e, para que o esforço no desembolorar fosse mais efetivo, decidi publicar alguns de seus capítulos por aqui...

Neste primeiro (que haveria de ser, talvez, o quinto capítulo do meu livro imaginado), eu conto a história do Libório, que vos convido a conhecer agora.

Obs.: para quem prefere ouvir histórias em vez de ler, ao final desse texto deixo um áudio. É só correr a barra até o fim e clicar na caixa para ouvir. ;)




Histórias de não esquecer 
Simone dos Santos


Aos meus avós...
E aos teus também.


Capítulo ... V (?)

A cura do Libório


Histórias de não esquecer - A cura do Libório - Simone dos Santos

           
            Pois que era assim, desse jeito mesmo, o Libório... Homem tão bondoso, mas tão bondoso, que diziam até que ele era é santo. Coisa que nem fazia de ser exagero nenhum não, pois que o Libório era capaz de tirar a própria roupa do corpo pra ofertar a quem ele soubesse de passar necessidade de agasalho em dia de frio.

            Capaz que herdou a bondade da mãe, que por sua vez herdou da avó dele, que herdou da bisavó e por aí vai..., pois que vinha du’a família de velhas benzedeiras, e benzedeira, todo mundo sabe (ou ao menos devia de saber), é pessoa que passa u’a vida inteirinha pra fazer o bem pros outros, feito missão de entrega, de doação, de caridade... Mas ele não. Libório não era benzedeiro. Não indicava simpatia, nem banho de descarrego; não curava de espinhela caída, nem de desencanto nem de mal de quebranto. Só era é bom mesmo.

            E sucede que o Libório, mesmo sendo filho, neto e bisneto de benzedeiras, u’as donas que trabalharam o tempo todinho arredando o mal pra longe, o Libório não via maldade era em coisa nenhuma não. E que, de ver o Libório assim tão alheio à coisa ruim, tão descrente de olho gordo e sem nem medo de assombração nem de encruzilhada, sem carregar figa no peito, nem crucifixo, nem santinho, nem guia, nem patuá, sem nem fazer o sinal da cruz e nem coisica nenhuma de proteçãozinha assim ó, foi de ver o Libório assim, tão alheio e despreocupado da ruindade do mundo, que o povo tudo começou a achar que era mesmo santo, o homem.

            Por causa de que... veja bem se não tenho razão: como é que podia um homem tão desatento ao mal e desarmado assim não ser acometido de desgraceira ruim nenhuma? Havia quem dissesse que o Libório tinha crédito de proteção era por causa do trabalho feito a vida inteirinha pelas 3 velhas, sua mãe, sua avó e sua bisa... Vai ver até que era... Mas será?... Era o que o povo tudo se perguntava... 

            E era assim que seguia, o Libório, a vidinha dele de cada dia: desapercebido das maldades do mundo e sempre disposto a fazer o bem. Era como se essa sua desapercebição diante das maldades do mundo é que era, justamente, o seu livramento, o que servia de escudo e proteção para ele, sabe? Que, afinal, o mal espreita mesmo é aqueles que têm olhos de ver o mal... Que, nesses casos (e n’outros também), o mal já está presente é dentro dos olhos de quem o vê... Né não?

            Morava na travessa por detrás da Matriz da Conceição, subindinho lá pra riba, toda vida, quase que beirando já a encosta do morro verde. E era por todos conhecido - té mesmo por ser da família das benzedeiras, a quem toda gente do vilarejo recorria nos casos de acudimento por qualquer ordem de coisa. E desordem também. Desde muito menino causava já admiração nos outros com seus bons modos e educação. Nem parecia de ser o meninote que era, porque, em idade de aprontar traquinagens e molequices, ele tinha ares já de homenzinho responsável, cheio dum palavrório bonito, cheio duma calmitude galante e sempre gentil com os mais velhos, que nem que se fosse gente grande já, o menino.

            Mas é que a vida tem dessas surpresas mesmo, né não? E quem pensa que conhece o outro pode é de estar muito do enganado. Pois que o Libório, mesmo com todo aquele currículo pra santo, com toda educação que recebeu das velhas, com todo o jeito de homem puro e bom, o Libório deu foi de beber depois de homem feito. Bebia, mas bebia tanto, que era de se espantar que ainda não tivesse se afogado, o homem. Ou explodido, quando passava perto de fogueira ou de fogão... 

            Dizem por aí é que foi por causa de amor não correspondido que nutria pela filha do seu Nacreto da quitanda: a Nicinha. E que depois que a moça enoivou de Pedro ferreiro, então, é que a coisa desandou de vez na vida do pobre: afundou-se na bebida e foi perdendo o viço, o jeito galante, os bons modos... Não tardou muito e perdeu o trabalho e, por fim, ia já perdendo a admiração de todos - té mesmo da Nicinha! E daí que bambeava pelas ruas, o coitado, e era já comum dar com ele caído pelo chão, sujo e fedegoso, não falando coisa com coisa, chamando Jesus de Genésio... As crianças mais encabruncadas lhe atiravam pedras e bosta de cavalo quando ele tombava no chão da praça, xingavam... Triste demais da conta ver um homem bom que nem ele entregue ao vício assim daquele jeito... De partir mesmo o coração, sabe?

            As pessoas que tinham carinho por ele tentavam ajudar da maneira que podiam. Don’Aninha mesmo - que o Libório, desde meninote, sempre que via Don'Aninha chegando da feira com uns pacotes pesados, ele ajudava a subir com tudo a ladeira até a casa dela (uns pacotes maiores que ele!)... Don’Aninha té promessa fez! Acendeu vela pra Santo Onofre - que é santo muito requisitado pra esses casos de vício com bebida, sabe? E o tanto que aconselhou, a velha, que ele tomasse tento, que tomasse juízo, ô Libório! Mas ele, parece, não se amofinava não. Os aconselhamentos tudo entravam por um ouvido e saíam pelo outro. E o pobre diabo se perdia na bebida...

            Daí que passou de homem bom a coitado, de coitado a enfastio, a encosto, e de tudo isso a motivo já de zombaria e falação por toda vizinhança... Ah, se dona Rosa 'inda fosse viva isso não sucedia dessa forma não senhora, não sucedia assim não senhor, que dona Rosa pegava e fazia uma reza forte mor de livrar o filho do vício, fosse viva 'inda... Ah, se fazia! E quanto desgosto pra dona Zéfa (que Deus a tenha), que donde que ela está deve é de estar com o coração doído de ver o neto nesse estado lastimoso que só! Né não? Ai, é! E isso sem falar em dona Jupira, lembra dela? Coitada! Quanto vexame pru’a mulher de bem como ela, que ela, mulher assim de fibra de como que ela era, tirava o vício do safado do bisneto era na coça, que isso sim é lição que se tire de vagabundo!... Era o que o povo tudo já falava.

            Pois que dizem que, de tanto as pessoas falarem do Libório lembrando a memória das 3 velhas, foi que as almas delas acabaram ouvindo tanto lamurio e quiseram vir cá se inteirar mais de perto do que estava acontecendo... Quê que tanto essa gente fuxicava no nome delas?! Diz que foi assim, sim... E que durante umas 9 semanas, em toda noite de lua nova, depois que todos no vilarejo adormeciam, diz que aconteciam coisas do outro mundo na casa do Libório. Era vela que acendia sozinha, voz de mulher carpindo prece, pranteando cura, e a voz do Libório gemendo um gemido sofrido de dar dó, que nem quando se tem delírio de febre ardida, sabe? ... Era o que o povo tudo, então, comentava...

            O Libório não falava nada. De nada nem se alembrava não. Passava os dias com sua pinga debaixo do braço, quietinho, matutando só... As crianças estranhavam aquela brandura toda num bêbado e já não viam muita graça mais em bulir com o pobre. Espiavam  só... Os vizinhos mais próximos, por curiosidade ou preocupação, de primeiro perguntavam como que ele estava, se estava bonzinho, se havia passado bem a noite... “Tem passado bem as noitefii?”... De depois perguntavam se ele não ouviu ruídos estranhos pela casa, se não percebeu movimentação suspeitosa..., e de por último, não havendo resposta por parte de Libório que esclarecesse o mistério, e porque a preocupação ou curiosidade estava já em fase de rói-corrói, as pessoas falavam pra ele já de assombração, que ouviram as vozes das 3 velhas benzedeiras e pereré-pão-doce...

            O pobre do Libório muito que se espantava com esses comentários e passou a pensar que as pessoas tudo da vila estavam ficando bêbedas eram elas! Ou então... que ele andava mesmo era bebendo demais, que a bebida fazia ele apagar feito pedra e não ouvia era nada do estardalhaço todo que as pessoas comentavam andar escutando na casa dele, de modo que carecia, talvez, de dar mais ouvido mesmo às palavras de Don’Aninha... que parasse de beber...

            Mas que foi assim desse jeitinho mesmo que sucedeu naquelas 9 semanas, sabe? Toda noite penumbrosa de lua nova era aquela mesma gemedeira toda, as vozes das 3 velhas em choramingo de ladainha, velas que se acendiam sozinhas... E, com isso, os vizinhos mais de pertinho, que viam o lume e as sombras das velas e ouviam toda a estranha movimentação na casa do Libório, passaram a rezar também naquelas mesmas noites (não se sabe se por temor ou por respeito, se por simpatia ou por compaixão), de modo que acabou se formando ali, naquele quarteirão inteirinho, u’a espécie de corrente invisível de luz e proteção, sabe? Que isso é coisa muito verdadeira, embora muita gente desacredite...

            Caso é que no final dessas 9 semanas o Libório foi procurar Don’Aninha. Precisava contar duns sonhos recorrentes que andava tendo ultimamente. Disse que por mais de vez teve o mesmo sonho com a mãe pedindo que ele fosse junto mais Don’Aninha pagar u’a promessa feita a Santo Onofre. Libório não entendia, mas... Afe! Que os olhinhos de Don’Aninha chegaram a brilhar de lacrimejo, tamanha a emoção, pois que ela entendeu tudinho, Libório não carecia de entender nada, não, mas ela não teve a menor dúvida: a graça tinha sido alcançada! O sonho era a confirmação!

            De fato, depois disso o Libório estava que era mesmo um novo homem! Aliás, novo não - no caso, o velho homem! Largou a bebida e voltou a ser o bom e velho Libório de sempre, aprumado e galante, disposto a fazer o bem, de coração puro e desapercebido das maldades de entorno do mundo, com olhos de enxergar só o bem, um poço de bondade que só, igualzinho-igualzinho como que era antes! 


            Bem..., igualzinho-igualzinho... não chega a tanto, pois que Libório tinha agora um novo hábito. Toda noite, antes de dormir, ele virava uma goladinha de pinga, mas era uma goladinha só: a segunda - que a primeira era derramada em honra de Santo Onofre. Mas... que ninguém precisasse de saber disso, não senhora, não senhor, que isso era lá segredo entre cavalheiros, sabe? E que, sendo assim, haveria de ficar era só entre eles dois mesmo: Libório e o Santo.


Histórias de não esquecer - A cura do Libório - Simone dos Santos


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"Histórias de não esquecer" é um projeto de livro de autoria de Simone dos Santos, com histórias que narram 'causos' e apresentam personagens cada vez mais raros nos dias de hoje... Uma maneira de tentar abrandar a velocidade com que vamos nos esquecendo dos modos de viver, das crenças e das situações que ocuparam a existência dos nossos avós e bisavós quando eles passaram por aqui e que, assim, "desesquecendo", possamos tê-los por perto um bocadinho mais...

A próxima história, "Lição de amor de Tuninho Passarinho", será publicada nas próximas semanas... Fique de olho! ;)


Atualização: conheça a história do Tuninho Passarinho, já publicada - Aqui ;)