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21 de junho de 2020

Histórias de não esquecer - Lição de amor de Tuninho Passarinho



Dando continuidade ao movimento de desembolorar meu velho, engavetado e esquecido projeto de livro, deixando-o tomar sol à janela, hoje venho apresentar mais uma daquelas "Histórias de não esquecer"... 

Se você não conhece a primeira história (publicada aqui), não prossiga nesse post ainda. Dá um pulinho lá primeiro e depois volta aqui pra poder acompanhar tudinho! ;)

Neste, como naquele primeiro conto, eu fiz um áudio pra narrar a história. Se você prefere ouvir, em vez de ler, rola a barra lá pra baixo e clica no vídeo que se encontra ao final do texto.

Boa leitura/audição! ;)




Histórias de não esquecer 
Simone dos Santos


Aos meus avós...
E aos teus também.


Capítulo ... VI (?)

Lição de amor de Tuninho Passarinho





            Chamavam assim, o Tuninho, de passarinho, por causa de que o moço era apaixonado em passarinhos desde muito pequetico, meninote ainda...

            De um tudo ele fez pra aprender com o tio as manhas de passarinheiro, mas que isso não estava no destino dele, não estava mesmo não. Que toda vez que ele se embrenhava no mato mais o tio e as demais crianças pra caçar passarinho, toda vez que ele ia junto, a jornada ficava prejudicada, sabe? Voltavam todos de mãos abanando...

            O tio supunha que a euforia do menino era tanta, mas tanta, que mesmo o Tuninho se esforçando muito pra ficar atento e quietinho, a afobação dele acabava por trair eles tudo do grupo, pois que a própria respiração do moleque ficava tão desarvorada que perigava té de levantar saia de moça desprecavida! E que o batimento do seu coração ficava tão estrepitoso que mais parecia era desfile de fanfarra em dia de festa na cidade! É. Daí que esse rebuliço todo da euforia do Tuninho, mesmo que em silêncio, mesmo que quietinho, ficava pairando no ar, sabe? Aquela animação espaventosa toda dele ficava vibrando no ar de tudo em derredor...

            E todo mundo sabe (ou ao menos devia de saber) que esse agito todo que se faz no  ar, mesmo que surdo ou invisível, é percebido por algumas gentes, né? É sim. E por bicho também! Diz que é coisa de grande sutileza, isso... E que bicho sente tudinho-tudinho, essas coisas... Quando tem perigo, quando há tristura ou quando está auspicioso um lugar... Os bichos sentem e entendem tudo o que paira no ar... E reagem de conforme: se arredando, se amuando ou se deixando refestelar... Que eu podia era contar um monte duns causos aqui mor de comprovar isso e tenho certeza que todo mundo aí há de conhecer causo assim... Ói lá se você também não conhece um desses!... Mas eu vou citar é um só (mor de essa prosa não se estender demais pr'além da conta), que foi o ocorrido com a cadelinha de Dona Dóca, mãe do Quinzim - aquele moleque atentado qual o cão! Deus que me perdoe!...

            Pois que Dona Dóca, ela própria, já contou foi pra vizinhança inteirinha essa história da cadelinha Neca... Diz que foi na vez que Dona Dóca arriou acamada de perigar té morrer por conta dum nó de tripas ou coisa assim... Diz que nesse período todinho que ficou adoecida, a Dona Dóca, entre a vida e a morte, a Neca entristou dum tal jeito, a bichinha, que parecia té doente mais a dona. Que não mais brincava com a criançada na rua, não mais dava carreira nas galinhas do vizinho, não mais comia nem do anguzinho com raspa de arroz que deixavam na cumbuquinha dela todos os dias, comia não... Fazia só era viver chocha e macambúzia,  deitada nos fundos do quintal, o focinho apoiado na soleira da porta da cozinha como que a esperar que a dona viesse lá de dentro, como era costume, e lhe fizesse um afago no focinho... As orelhas compridas e alertas de outrora, agora arriadas; o rabo agitado e serelepe de outrora, agora arriado; os olhões muito vivos e saltitantes de outrora, agora dois furicozinhos arriados, enoitecidos... Que dava té dó de ver a bichinha, magrinha que era só osso, anuviada e pesarosa, parece que sabendo a preocupação de todos da casa naquela hora e preocupada, também ela, com Dona Dóca...

Diz que só fez melhorar, a Neca, foi quando Dona Dóca melhorou um bocadinho e desacamou. Foi. Que só quando Dona Dóca desacamou, foi que a Neca, de primeiro, voltou a comer e, de depois, quando Dona Dóca sarou de vez da enfermidade mesmo e vinha já cá fora tomar sol, catar flor de macela pra fazer chá ou estender roupa no varal e fazia uns afagos na bichinha, foi que Neca voltou a correr atrás de galinha e brincar com a molecada, feito finalmente sarada ela também: tudo de volta à normalidade. O fato, deveras curioso - todos hão de concordar, deixou Dona Dóca tão orgulhosa, mas tão orgulhosa do amor daquela bichinha por ela, que ela conta é pro mundo inteirinho essa história!

            Pois que os bichos têm mesmo das suas astúcias. Bobo é aquele que pensa que não! E tem quem diga por aí que não tem bicho mais esperto e sensível pressas coisas de energia que fica pairando no ar do que passarinho, não tem não senhora, tem não senhor! E daí que aquela animação espaventosa toda do Tuninho, aquele alvoroço todo causado no ar pela sua alegria em dia de pegar passarinho, acabava que alertava a passarada toda pro risco da captura iminente e daí que, então, os bichinhos debandavam tudo, arredando pra bem longe de onde quer que o grupo se achegasse naqueles dias, mesmo que se achegassem, todos e cada um, muito de mansinho... Tinha jeito não...

            Pois que era coisa muito certa mesmo aquilo: toda vez que Tuninho ia junto mais o grupo apanhar passarinho, voltavam todos frustrados do malogro, que nenhum passarinho, nenhunzinho só, nem nadica de bichinhozinho nenhum eles conseguiam capturar não! A gurizada mais novinha já caçoava do coitado, zombeteava de ele ser pé frio, e os mais experientes, zangados por demais com a desventura daquelas investidas, reclamavam pro tio dele, que assim não podia ser, que não podia, não senhor, que Tuninho ficasse, que não seguisse no grupo mais não, que Tuninho, quando ia, estragava era tudo! 

            O tio sabia que os meninos tinham razão, mas tinha era muita dó de deixar o Tuninho pra trás, pois que sabia o tanto que o menino era encantado com passarinho e o tanto que queria aprender os artifícios de passarinheiro e que, ainda por cima, perigava era de ficar mesmo muito magoado, o Tuninho, de ser deixado pra trás. Mas precisava mesmo de arrumar um jeito de  deixar o sobrinho de fora das caçadas... E arrumou.

            Chegou um dia dizendo pro Tuninho que tinha um serviço muito importante pra ele e que, se o menino queria mesmo aprender a caçar passarinho com maestria, tinha que conhecer as bases do saber e tinha que ter a mão boa e jeitosa pra reparar u'a gaiola e montar u'a arapuca, por exemplo, e que, então, daquela vez, ele ficaria fazendo o importante serviço, que era montar u'a arapucazinha, como se fosse lição de casa, pro tio ver depois, e que isso era serviço de grande importância mesmo e de paciência e... 

            Afe! Que Tuninho logo notou que a arapuca estava armada era pra ele! Conversa fiada do tio! O tio, muito paciente, tentava explicar que era importante sim, mas o menino não aceitava aquilo não... E foi aumentando de intensidade a querela, o Tuninho, conforme o tio ia se mostrando impassível na resolução. De primeiro, resmungou, fez beicinho, chorou... De depois, chorou aos berros, esperneou, bateu o pé, fez pirraça, malcriação... Ficou tão bravo, mas tão bravo, o Tuninho, que té xingar, xingou! Disse que o tio metesse arapuca e ferramentas e tudo o mais em certo lugar que nem me atrevo a repetir aqui, que me causa pudores! 

           Mas... Gente!... Que isso era coisa mesmo muito séria, viu? Que criança, naquela época, não xingava não! Era u'a quebra de modos que mãe nenhuma nem pai nenhum haveria de aceitar, mas de jeito nenhum! E daí que a mãe do Tuninho, Dona Beré, quando ouviu o que ouviu da boca do menino, ficou tão brava, mas tão brava, que deu u'a bela du'a coça no menino e, enquanto coçava, ralhava, ela, que era pro moleque deixar de atrevimento, se isso lá era a educação que ela dava pros filhos, que ele nunca mais haveria de envergonhar ela daquele jeito e que agora mesmo é que ele não ia mais a lugar nenhum, que ficaria no quarto de castigo e que agradecesse ainda de ela não fazer o moleque mastigar u'as pimentas e engolir! O tio ficou triste e acabrunhado por demais, que não carecia de Berenice bater no menino, fizesse aquilo não, pelo amor de Deus, Beré, que dava té um remorso no tio!... Mas que, daquela vez, pelo bem ou pelo mal, a coisa ficou, por assim dizer, resolvida daquele jeito, né? E o tio, no fim das contas, saiu mais a meninada sem o Tuninho... 

           Mas que foi um chororô naquele quarto aquele dia inteirinho! Mas que não era nem propriamente pela surra tomada, não! Era de não ter seguido com o tio pra apanhar passarinho! E chorou tanto, mas tanto, o Tuninho, que, por fim, acabou caindo no sono, exaurido, com a cara toda amarfanhada em caramunha de choramingo. Dona Beré não se abalou e, embora o coração se espremesse todo no peito, de ver o menino tristonho e choroso daquele jeito, mante-se impávida e firme no propósito do corretivo: que servisse pra ele refletir e se arrepender do feio que fez! 

           No dia seguinte, acordou se ardendo em febre, o Tuninho, com espasmos e tremor de calafrio, choramingando baixinho que gostava tanto de passarinho, gostava tanto de passarinho..., fazer arapuca coisa nenhuma não, que queria era pegar passarinho, pegar passarinho... Já lá se ia bem pr'uns 3 dias acamado assim, resmungando daquele jeito e se ardendo em febre, quando finalmente chegou um velho curandeiro de grande valia que foi chamado de vir dum arrabalde de cidade vizinha mor de rezar o Tuninho - que Dona Beré, agora já bem aflita e de coração na mão, tinha ouvido falar do velho e tinha fé que pudesse ajudar...

O velho pediu que Dona Berenice ficasse junto mais ele durante o benzimento. Disse que ela devia de pedir a Deus pelo filho também, que não se fiasse só na reza dele, não, pois que prece de mãe é tão forte, mas tão forte, que se amplia ecoando nos Céus e tornando cá na Terra em forma de graça na vida dos filhos - té mesmo depois da morte! Ave-Maria-meu-Deus! E que ela não duvidasse, não senhora, daquilo que ele dizia, pois que o que dizia  era  caso sucedido de verdade assim mesmo, sabe? Desse jeitinho, assim mesmo...

            O Tuninho, tadinho, daquele jeito, né? Se tremendo todo, o bichinho, resmungando coisas sobre passarinho, aqueles dias todinhos!... O velho, então, se aprochegou da cama do menino e segurou com as suas mãos firmes e enrugadas a cabeça do pobrezinho e, daí, começou u'a benzeção baixinha, balbuciada feito que nem se fosse um cochicho, mas que ressoava naquele quarto inteirinho... A mãe, tão aflita, coitada, mas também por demais comovida com as palavras do velho sobre o poder da prece du’a mãe, rezava também, de pé, num canto do quarto, atenta a tudo... Dali um pouco mais, o Tuninho foi parando de tremer de bocadinho, de bocadinho..., cessou finalmente a matraca e foi serenandinho, aquietandinho, e começou um suadourozinho de leve, de repente, já adormecido, feito se um anjo tivesse entoado u’a canção de ninar ali... Tinha no rosto, vermelho ainda do ardido da febre, agora u'a feição suave e entregue, de menino que adormece sabendo-se em proteção...

            O velho vergou o tronco, com a dificuldade comum a um homem já tão velho, mor de poder chegar pertinho do ouvido do menino e, então, balbuciou alguma coisa mais que Beré não pôde entender. Parecia conversar com o Tuninho, bem baixinho, mesmo o menino adormecido... Por certo haveria de ser alguma última prece pra finalizar o benzimento, pois que, depois disso, o velho levantou-se devagar e fez o sinal da cruz três vezes no menino com um atado de folhas perfumosas como o quê! Disse à Dona Beré que o mau já havia passado e que Tuninho acordaria já bom e como novo no dia seguinte, que ela despreocupasse agora... E cobrou dela, por fim, a paga já combinada de prévio: u'a garrafa de pinga. Mas que Dona Beré não pensasse mal dele, que não era pra ele, não senhora, viu?...

            Caso é que, no dia seguinte, o tio do Tuninho chegou de mais uma daquelas investidas passarinheiras com um presente pro menino: um saíra-sete-cores macho - que o macho tem as cores 'inda mais lindas! Caiu na arapuca, o bichinho, mas não tinha grande valor não, porque é bicho que canta mal, mas tem u’as cores tão vistosas e alegres e bonitas que o tio entendeu de levar pro Tuninho, tadinho, mor de lhe fazer um agrado e tentar corrigir a desfeita. Mas... Eita, o cabrunco! Passarinho mais danado de bonito que só! Sete cores que nada! O bicho tinha era pra mais du’as mil cores! Uma belezura de dar gosto de ver! E a alegria do Tuninho ao ver o bichinho?! Minha Nossa Senhora! E que coisa mais emocionante que foi ver também o brilho radiante nos olhos de Dona Berenice, quando seu menino saiu saltando assim da cama, todo serelepe em algazarra, esbanjando alegria, esbanjando saúde, esbanjando vigor de menino! Tinha sarado, o seu Tuninho! 

            O que ninguém sabe direito é se Tuninho melhorou mesmo foi por obra da reza do velho ou se por efeito do presente do tio, que foi inegável a alegria do menino quando viu o saíra! Ou, ainda, se sarou sozinho mesmo, né? Pois que, depois de 3 ou 4 dias, essas maleitas sem razão costumam mesmo é ir-se embora sozinhas, todo mundo sabe disso, né não? Ora... Mas que ninguém levantasse suspeita du’a coisa dessas em presença de Dona Berenice, se a doença foi-se embora sozinha ou se foi o presente do tio que sarou o menino, pois que ela haveria de defender com toda fé que foi a reza do velho! (Que, agora, no seu coração, ela sabia ter sido reforçada também pelo peso de sua prece de mãe)... Mas o fato sucedido, de verdade, e que não deixava margem pra dúvida a ninguém, é que o menino, finalmente, estava bom!

            O tio explicou que aquele saíra era bem novinho ainda, que isso se podia notar pelo tom das penas e pelos pezinhos, pouco enrugadinhos, e que um saíra bem cuidado vive pra perto duns trinta anos, de modo que, se cuidasse bem do bichinho, o Tuninho - e era pra cuidar muito bem - aquele passarinho haveria de ver o menino virar um homem já em bigodes!

Pois que virou u'a verdadeira paixão na vida do Tuninho, aquele passarinho. E que ele nem birrava mais de não seguir em outras caçadas mais o tio e o resto da meninada, nem se importava de ir não! Ah, mas se o tio soubesse, teria arrumado um saíra antes! Que agora o Tuninho queria mais era passar o dia inteirinho ‘garrado na gaiola, conversando mais o bichinho... E dando comidinha, trocando a água e admirando a belezura toda do seu saíra. Mas como era lindo aquele saíra!

            Conversava todo santo dia com o bichinho. E limpava a gaiola, soprava casca de alpiste pra fora da cumbuquinha, punha mais, trocava a água, pendurava novas frutinhas no ganchinho que pendia pra dentro... Todo santo dia, fizesse chuva ou fizesse sol... Um tal zelo e dedicação por parte do Tuninho, que nem seria exagero dizer que aquele saíra tinha vida era de príncipe!... No comecinho, Dona Beré pensou se tratar de fogo de palha, aquele cuidado todo, e que, u'a vez passada a surpresa da novidade, sobrariam pra ela as obrigações pra com o bichinho, mas não... O tempo foi passando, foi passando e Tuninho, a bem dizer, agora já quase um rapazinho, continuava dando todo amor pr'aquele passarinho. 

            Dava tanta atenção pro bichinho que, com o tempo, passou a notar como andava tristinho o seu piar... E, depois, com mais tempo, nu'a certa vez que pôde reparar bem fundo nos olhinhos do bichinho, viu também que seu saíra guardava u'a certa tristura... Foi se encafifando com aquilo, o Tuninho... Que alguma coisa estava errada, muito errada, naquela história, sim senhora, sim senhor... Que como é que podia u'a coisa daquelas? Se ele gostava tanto do bichinho, se era seu melhor amigo, se limpava a gaiola todos os dias, trocava a água, dava comidinha, conversava tanto com o bichinho, amava tanto aquele saíra, fazia té carinho no cocuruto do bichinho! Mas então, qual seria o motivo de tanta tristura no seu saíra?

            Passou a amofinar o juízo com aquilo, ensimesmou-se... E terminou por concluir que o bichinho devia de achar a vida u’a coisa bem manca e desimportante, trancafiado naquela gaiola... e que, por mais que Tuninho cuidasse, por mais que Tuninho o amasse...

            Pensando nisso, se alembrou que o saíra foi presente do tio, daquela vez que, molequinho ainda, fez malcriação e caiu doente e que, naquela ocasião, um homem velho, cheirando a beira de rio em flor, feito que nem se fosse em sonho, fez ele se sentir tão bem e disse u’as coisas tão bonitas sobre o amor no ouvido dele... 

            Afe-Maria! Que Tuninho estremeceu só de lembrar as palavras do velho e que o coração dele se apertou sobremaneira e que a garganta travou de sufocar e que os olhos marejaram de tudo embaçar, que era como uma paulada na moleira aquela lembrança assim, tão forte, tão repentina, as palavras do velho todas, uma a uma, muito claras agora, de repente, e caindo que nem u'a bomba no seu juízo e no seu coração, sobre o gesto mais bonito do amor! Pois que estava muito claro agora o motivo da tristura do seu saíra! Tuninho compreendeu! E que, naquela mesma hora que alcançou entendimento de tudo, foi que, de onde mesmo que ele estava, que trabalhava ajudando Seu Délço na vendinha da praça, o Tuninho saiu foi desembestado, pulando caixote de fruta, correndo por viela, trombando gente e bicho pelo caminho, com o coração na mão, o Tuninho! As pessoas acharam que tinha endoidecido, o Tuninho Passarinho! Onde esse moço vai nessa sangria desatada toda??

Corria era pra casa. Chegou esbaforido, aturdido, já mal segurando o choro, e foi direto pra varanda dos fundos pegar a gaiola do saíra. Dona Beré veio depressa da cozinha, afrontada de preocupação, mor de ver o que é que estava acontecendo com o filho. Seguiu o moço até o terreiro e chegou a tempo só de ver quando ele abria a portinhola da gaiolinha, erguida acima da cabeça, os braços, trêmulos, estendidos como que a apontar pro saíra a direção das árvores. O saíra ainda se demorou um instante, mas... entendendo a ocasião, de repente, avoou faceiro e foi sumir na copa do araçazeiro...

            Desabava em choro, agora, o Tuninho, mas era de soluçar! Feito que nem se fosse o menino d'uns... 8 anos atrás! Berenice ofereceu o que de melhor tinha pra oferecer naquele momento: seu colo ternuroso e infinito de mãe, ninho farto de amor e aconchego... Ficou abraçada mais o filho té que cessasse o choro do menino - sim, que nessas horas (e noutras também) ele era sempre-sempre o seu menino... De certa forma, ela sabia a dor do filho, pois que intuía tão bem que sentimento era aquele que arrebata o peito ao se abrir a porta pra deixar partir, assim feliz, a quem se ama.



Para ouvir Lição de amor de Tuninho Passarinho, clique abaixo:


"Histórias de não esquecer" é um projeto de livro de autoria de Simone dos Santos, com histórias que narram 'causos' e apresentam personagens cada vez mais raros nos dias de hoje... Uma maneira de tentar abrandar a velocidade com que vamos nos esquecendo dos modos de viver, das crenças e das situações que ocuparam a existência dos nossos avós e bisavós quando eles passaram por aqui e que, assim, "desesquecendo", possamos tê-los por perto um bocadinho mais...

Se você gostou dessa história, fica de olho! Na próxima semana tem mais uma! ;)


* * *
Atualização: conheça a história seguinte - O velho, o pássaro e o Santo - publicada aqui ;)

2 comentários:

  1. MARAVILHA!! Você tem uma forma caipira, melodiosa, de falar e dizer sobre o amor. Já percebi assim no primeiro conto. Li-o, pela primeira vez,já há algum tempo. Encantou-me e me senti inteiramente despreparada para um comentário, tal a singeleza, doçura, carinho com que você tece os fatos quotidianos. Belíssimo! Não quero ler o terceiro conto agora. Deixo-me impregnar pelo Tuninho e sua ânsia de liberdade traduzida no abrir da gaiola para o querido pássaro. Bjs!

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    1. Olá! Muito grata e feliz pelas palavras carinhosas e pela leitura tão generosa desses contos meus... <3

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