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16 de julho de 2019

Entrevista - Marcelo Pimentel e o trabalho do ilustrador


Conhecia Marcelo Pimentel de vista, apenas. Um "bom dia" aqui, outro acolá, acompanhados de um aceno de cabeça e um sorriso eram bastantes num ambiente em que nos habituamos a conhecer muito pouco das pessoas, dos seus sonhos, das suas mais sentidas e sinceras motivações... 

Foi no ano passado que uma amiga querida nos apresentou "formalmente"...

"Si, esse é o Marcelo. Ele faz um trabalho lindíssimo como ilustrador! Você precisa conhecer!"

Conheci. Marcelo me mostrou dois livros seus: "O fim da fila" e, depois, "A flor do mato". Fiquei encantada com a simplicidade do primeiro (naquilo que a simplicidade tem de melhor, que é nos apresentar ao essencial, sabe?) e com a beleza pueril e envolvente do segundo. Em ambos me saltou aos olhos o alcance profundo daqueles traços e daquelas histórias: direto ao coração. 


Entrevista com Marcelo Pimentel - Coisicas Artesanais - Simone dos Santos
Gente do céu! Não é puro encanto isso?? 
"A flor do mato" (detalhe), Marcelo Pimentel, Editora Positivo, 2018.

Desde então, passei a conviver com um bichinho comichão me carcomendo de vontade de trazer o Marcelo aqui pro Coisicas. Mas não sabia como fazê-lo. Um certo receio me travava... Como eu poderia abordar seu trabalho aqui?

Porque quando a gente pensa em "artes" ou em "artesanato", quando a gente pensa em "artesão" ou em "artista plástico" (temas principais desse blog), eu não sei se já ocorreu a vocês... A mim, até então, nunca tinha ocorrido pensar no ilustrador! A gente pensa em ceramista, poteiro, escultor, mosaicista, marcheteiro, "pintor" (pintor não, artista plástico, né, gente...), e pensa em bonequeiro, titereiro, handcrafteirosanteiro, até em ferreiro... Pensa nas fiandeiras, nas rendeiras, nas bordadeiras, nas tecelãs e em mais gente que trabalha com fios, com linhas e com panos e com palhas e trançados... Há quem se lembre de pensar até em luthier e restaurador! A gente pensa numa infinidade de gente, mas, dificilmente, vai se lembrar de pensar no ilustrador...

(Alguém aí teria pensado num ilustrador??)

E isso foi uma dificuldade inicial que me impedia de ter segurança e convicção para chamar o Marcelo: pensar no trabalho de um ilustrador como um tema possível para ser tratado aqui no Coisicas Artesanais... Por pura ignorância ou certa inabilidade minha em pensar "fora da caixinha"... Porque, afinal, é inegável e contumaz que o trabalho de um ilustrador está carregado de arte! E de criatividade inventiva e de muita pesquisa (para respaldar a escolha de símbolos e elementos culturais na caracterização de um tema)... E de uma capacidade incrível de agregar tudo isso ao seu próprio traço, criando novas formas de representação pictórica, imagética das "coisas", de um lugar, de personagens, de uma história que se quer contar... 


Entrevista com Marcelo Pimentel - Coisicas Artesanais - Simone dos Santos
"O fim da fila" (primeiros traços e arte final), Marcelo Pimentel, Editora Rovelle, 2011.

E, então, percebi também que eu não fazia muito bem ideia de como é, de fato, o trabalho de um ilustrador... E que isso era o maior empecilho, o que realmente me travava de dar asas à vontade de trazer o Marcelo aqui.. E imaginei que talvez meus leitores teriam as mesmas dúvidas... Mas, ora, afinal, o que faz um ilustrador? Como é o trabalho de um ilustrador?? 

Bom... daí, eu não tinha mais por quê titubear, né? Com um mote desses (o de nos contar alguns detalhes e nos esclarecer sobre como é seu trabalho), vi chegada a hora de partir pro convite e trazer Marcelo Pimentel aqui pro Coisicas, pra prosear com a gente sobre o que faz um ilustrador! ;)

Então... senta, que lá vem história! ;)

Coisicas Artesanais - Marcelo, acho que, depois dessa introdução, não posso começar por outra pergunta... Como é, afinal, o trabalho de um ilustrador? ;)
Marcelo Pimentel - Não é uma resposta simples, rss. Eu trabalho com ilustração literária, especificamente para livros infantojuvenis (há ilustradores botânicos, de indumentária, publicitários... enfim, de outros gêneros). Basicamente meu trabalho é o de tentar transmitir ideias com imagens, se possível com poesia, com emoção. Em geral, ilustradores de livros interpretam textos com suas imagens, propondo uma releitura, ou seja, uma segunda forma de contar uma história – que em geral não deve contradizer o texto, mas que pode ir além do que ele propõe, trazendo questões próprias, não necessariamente previstas na narrativa verbal. No entanto, a ilustração não depende de um texto para existir, como no caso dos livros de imagem, que contam histórias somente por imagens. Tentando resumir, o ilustrador conta histórias com imagens, partindo de um texto ou apenas de uma ideia, e tem de se fazer entender minimamente pelo leitor, ainda que seu trabalho permita interpretações diversas (como também ocorre com um texto). E o modo de transmitir mensagens visualmente pode ser muito pessoal, variando bastante de um artista para o outro.

C.A. - Hummm... Agora que eu já fiz a pergunta mais urgente (e que a "coisa" está começando a ficar mais clara), já posso fazer a pergunta que faço a todos os meus entrevistados aqui, rs... Em que data e onde você nasceu? ;)
M.P. - Perguntinha embaraçosa essa, hein? Rss. Brincadeira! 26 de abril de 1969, Rio de Janeiro. :)


C.A. - É, menino... Tenho observado que, depois de "certa idade", todo mundo torce o nariz pra essa pergunta! rsrs... Mas, então... Eu vi uma foto no teu blog, você pequenino ainda, com uns desenhos super elaborados pruma criança daquela idade... Vc ali tinha o quê? Uns 6 anos??...
M.P. - Por aí! Eram personagens Disney e até que estavam bem desenhadinhos mesmo, considerando a idade que eu tinha, rss. Eu gostava muito de copiar personagens da TV e dos quadrinhos, fazer e refazer, até conseguir chegar, dentro do possível, a um resultado próximo dos desenhos originais. E passava horas desenhando, fossem cópias ou invenções minhas. Era um prazer.

C.A. - Então desde muito novo você já tinha o pendor (e o talento) para desenhar - e muito bem, né? Nessa época, você imaginava que iria trabalhar com isso?? Quando as pessoas te perguntavam: "o que vai ser quando crescer?", por exemplo, você já podia prever que seria um ilustrador e que o desenho permaneceria tão presente na tua vida?
M.P. - Houve uma fase em que eu queria ser zoólogo e trabalhar com a pesquisa e proteção de grandes feras. E meu ídolo era o "Daktari", o protagonista de uma série homônima de TV dos anos 70 (um veterinário americano que trabalhava na África). Mais tarde, vi que isso iria me requerer talentos que eu não tinha. E a vontade de trabalhar com desenho falou mais alto. Se bem que até hoje prefiro desenhar bicho do que gente!

C.A. - Rsrs... Legal! E nessa fase, na infância, quais eram as tuas brincadeiras favoritas? Peraí... não responde. Eu adivinho... Desenhar! ;)
M.P. - Adorava desenhar, e fazia isso por horas sem me sentir triste ou sozinho. Criava meus próprios personagens e roteiros, às vezes até em formato de Gibi (com grampo e tudo). Minha editora era a imaginária MOP, decorrente das minhas iniciais.

C.A. - Rsrs... Boa!
M.P. - Mas também sempre curti – e muito! – futebol, videogame (já no final da infância), bonecos em miniatura (para os quais construía todos os utilitários que não vinham de fábrica) e aquelas brincadeiras que hoje quase não se vê mais nos grandes centros urbanos, como os "piques". Já pipa e bola de gude não fizeram minha cabeça, não.

C.A. - Bacana! Eu brinquei muito de "pique" também... Pique-cola, pique-bandeira, pique-esconde, pique-tá! =) E como se deu esse trajeto, Marcelo? Como foi que, dessa habilidade incrível para o desenho que você traz desde menino, você trilhou o caminho até se tornar um ilustrador?
M.P. - Há um período na fase escolar em que a maioria das crianças para de desenhar, em parte porque começa a comparar seu desenho com o dos outros colegas e, quando esses têm mais facilidade, os demais se inibem...

C.A. - Não foi esse o teu caso, né? ;)
M.P. - Eu fui um dos que apresentavam mais facilidade para o desenho, um dos poucos que seguiu em frente. Nunca parei. No antigo ginásio (atual ensino Fundamental II) e no 2º grau (hoje, ensino médio) passei a ser chamado pra fazer cartazes escolares ou mesmo caricaturas para cartões de aniversário. E foi também no 2º grau que descobri a profissão de designer gráfico (na época o curso se chamava "Comunicação visual"), para a qual prestei vestibular, tendo sido aprovado para a Escola de Belas Artes da UFRJ. Um dos professores que tive, o Rui de Oliveira – hoje aposentado como professor universitário, mas ilustrador bastante ativo –, é um verdadeiro Mestre da ilustração (com M maiúsculo mesmo), com domínio total da teoria e da prática (estudou por muitos anos em Budapeste). Foi esse professor, que produzia muito para editoras infantojuvenis, que me mostrou as possibilidades da ilustração como atividade profissional, especialmente para a literatura infantojuvenil, cujo mercado então se consolidava no Brasil.

C.A. - Então tua formação é em design, certo? Mas... Um ilustrador não necessariamente precisa ser um designer, né? Que outras formações ou cursos (acadêmicos ou técnicos) podem "criar" um ilustrador?
M.P. - É, não necessariamente. Acho muito importante que o ilustrador tenha sólidas noções de design, até para ir além da ilustração e poder projetar com segurança todo o objeto livro (incluindo suas margens, o corpo e a fonte do texto, etc.). Mas há grandes ilustradores com formação em arquitetura ou pintura, por exemplo. Há, inclusive, autodidatas. No Brasil, não temos ainda escolas voltadas exclusivamente para a formação em ilustração, como ocorre na Europa (com exceção de uma recente, em Recife: a "Usina de Imagens", que vem se firmando nos últimos anos). Então nossa tradição se formou sobre bases multidisciplinares. Porém, mesmo não havendo uma receita rígida para a formação do ilustrador no Brasil, é importante estudar permanentemente para mantermos uma produção de qualidade, assim como ocorre com qualquer outra atividade profissional.

C.A. - E como foi no começo, pra se inserir no mercado? É um meio muito fechado?
M.P. - É sim. E se você já não conhece ninguém no meio, um professor ou amigo que te ajude a se inserir no mercado, o início é um pouco mais difícil. No entanto, em tempos de internet, vejo que as dificuldades de inserção no passado eram muito maiores. Hoje você pode enviar portfolios digitais, fazer rapidamente pela web uma lista de editoras a contatar e, ainda, visitar inúmeros eventos literários anualmente frequentados por autores e editores. Ou seja, pesquisando um pouco e tendo uma produção pra mostrar, é possível ir conseguindo trabalhos pra publicar e adquirindo reconhecimento.

C.A. - Marcelo, você não trabalha apenas como ilustrador, né? Você tem um emprego formal (com "sapato fazendo calo", coisa e tal, rs)... Como é conciliar as duas coisas: ter de se dedicar a um trabalho "comum", digamos assim (que, muitas das vezes, infelizmente, pouco ou nada tem a ver com as reais habilidades e/ou "dons" de cada um) e, ao mesmo tempo, cuidar de atender às demandas e necessidades (sobretudo de expressão artístico-criativas) de um ilustrador?
M.P. - Às vezes é bem difícil, exaustivo mesmo. Gostaria de dedicar mais tempo às atividades de ilustração. Mas conciliar esse trabalho com um outro mais estável foi o modo que encontrei de organizar minha vida, por uma série de razões superiores à minha vontade. Olhando por um viés mais otimista, embora me impeça de me dedicar integralmente à produção de livros, a estabilidade de um emprego formal me permite ser mais criterioso com os trabalhos que produzo. Ou seja, como não vivo exclusivamente dos projetos de livro que realizo, posso decidir quais deles devo realizar e em quanto tempo.

C.A. - Sim... E essa condição te propicia mais liberdade e prazer, né? Poder escolher os projetos a que se dedicar... Isso me faz lembrar um conselho muito sábio que nos foi dado nesta entrevista aqui por Helena Coelho... Ela nos diz que (sobretudo no começo da carreira - e vivendo no Brasil...) é salutar que um artista não dependa exclusivamente da sua produção artística para sobreviver. Assim, sua criação pode se manter livre e ilesa de outras interferências e motivações que escapem a sua arte... Bem, Marcelo, um ilustrador, comumente, ilustra histórias já escritas por outros, né? Mas você citou aqui no começo da entrevista os livros de imagens e, aliás, você é autor de alguns livros com histórias não escritas, né? Eu, particularmente, devo abrir aqui um parêntese pra dizer que acho isso genial! Porque você dá ao pequeno leitor a possibilidade de ser um "co-criador" daquela história, compreendendo-a com suas próprias "ferramentas" de interpretação e fazendo uma leitura com suas próprias possibilidades cognitivas a partir daquelas ilustrações... E isso também se aplicaria, ganhando mais nuances e proporções, a pais e tios que "leem" esses livros para uma criança... "O fim da fila" e "A flor do mato" são dois livros teus que "falam" através de imagens... Como se deu isso? De onde veio a inspiração para se utilizar desse recurso? A intenção é mesmo essa, de dar, digamos, uma espécie de "co-autoria" para o leitor?
M.P. - O livro de imagem, ou livro sem texto, é um gênero de literatura onde a narrativa se dá pela sequência de imagens (pode também não ser exatamente narrativo, mas creio que isso não cabe detalhar aqui, rss). Muitos ilustradores no Brasil e no exterior já se aventuraram por esse caminho e há inclusive um prêmio específico no Brasil para esse tipo de publicação: o prêmio Luís Jardim, oferecido pela FNLIJ - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Originalmente previstos para o público infantil, os livros de imagem e os livros ilustrados com pouco texto (onde a imagem predomina) têm obtido reconhecimento como obras de arte, inclusive com a criação de mostras internacionais e premiações específicas, transcendendo o universo mais focado nas crianças, como já o fizeram, há algum tempo, o cinema de animação e os quadrinhos... E, sim, uma das principais características de um livro de imagem é permitir diferentes interpretações, dependendo das vivências de cada leitor. E isso é de uma riqueza enorme! A essência da história em geral é compreendida por todos, mas as suas nuances e até mesmo o seu final podem ser entendidos de modo diverso pelos leitores, proporcionando uma experiência bastante interativa.

C.A. - Marcelo, fala um pouquinho do seu livro mais recente, lançado no ano passado... Um livro super bonito, neste estilo sem texto, apenas com imagens: "A flor do mato". O que te inspirou a criá-lo?
M.P. - Quando eu tinha uns treze ou catorze anos, li um conto do escritor Herberto Sales sobre a personagem folclórica "Flor do mato", uma menina encantada que atraía crianças para o fundo da mata. Fui envolvido pela história e a carreguei na memória pela vida afora. Anos depois, pensando na possibilidade de produzir um segundo projeto autoral (já tinha lançado um primeiro, o livro de imagem "O fim da fila", publicado em 2011 pela Editora Rovelle, com grande sucesso), surgiu a ideia de uma nova narrativa visual a partir da lenda da "Flor do mato". Gosto sempre de adaptar meu traço ao espírito do texto. Como a lenda da Flor do mato é originária de algumas áreas rurais nordestinas – principalmente a Zona da Mata de Pernambuco e da Paraíba – decidi inspirar meu traço no Maracatu rural, uma manifestação típica dessa região e de presença muito forte, sobretudo, na zona canavieira de Pernambuco. Me inspirei no seu principal personagem, o Caboclo de lança, cujos trajes apresentam grafismos muito característicos: estampas florais e arabescos multicoloridos. Com tudo isso em mente, a lenda, os grafismos, as estampas, parti para as ilustrações. Os primeiros esboços são de 2014... Nesse trabalho usei técnicas que variam do nanquim e do guache (nas cenas em preto e branco) para a tinta acrílica combinada com a colagem (nas cenas coloridas – principalmente de acabamentos de bordado como sianinhas, guipires)... E foi assim que nasceu "A flor do mato", uma história que trata de diversas questões, além do tema folclórico em si: família, solidão, amadurecimento, sedução... Uma história quase sem texto (há uma página de diálogo quase no fim do livro), baseada em lenda pouco conhecida fora de seu território original e cujo traço se inspirou nos grafismos de uma tradição local.


No alto, detalhes da indumentária dos Caboclos de lança, inspiração que norteou os traços do artista em seu mais recente trabalho: A flor do mato (foto abaixo). As imagens dos bordados típicos do maracatu rural são daqui.

C.A. - É muito bacana isso de você se inspirar em grafismos típicos duma manifestação cultural tão marcante naquela região para traçar e dar vida aos personagens e ambientes daquela história! E é impressionante a similaridade dos teus traços com as formas e cores presentes no maracatu rural! A flor do mato é mesmo um livro muito lindo e, se me permite o "trocadilho", encantador! rs... E ele foi laureado em vários concursos e programas literários, né? ;)
M.P. - Sim! Felizmente o livro tem obtido bastante reconhecimento por aí... No ano passado, ele foi selecionado para o PNLD Literário (maior programa governamental de aquisição de livros para escolas públicas); e foi premiado num concurso lá em Moscou, na Rússia: o "Image of the book". Agora, em 2019, recebeu o selo "Altamente Recomendável" da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil), na categoria "Livro de Imagem" e ficou entre os finalistas do Prêmio da AEILIJ (Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil) pelo conjunto de suas ilustrações...

C.A. - Nossa, Marcelo! Bacana demais! Merecido reconhecimento para um trabalho tão belo quanto delicado! Parabéns! =) Bem... eu sempre peço pros meus entrevistados deixarem dicas para quem está começando, porque acho que muita gente que acaba caindo aqui no blog pode se inspirar em vocês... Daí eu queria te perguntar que dica você poderia deixar pra molecada de agora que, na contramão do uso de tablets e outras ferramentas digitais, gosta de desenhar e quer enveredar por esse caminho...
M.P. - Simone, atualmente vejo muita gente do desenho realizando seus trabalhos (muitos deles ótimos) por meio digital. Uma coisa não exclui a outra, as ferramentas digitais foram mais uma alternativa que se abriu para a expressão através do desenho. 

C.A. - É verdade... Muito bem observado!
M.P. -  Apesar de reconhecer isso, eu, particularmente, não curto trabalhar com desenho e pintura digital (talvez um dia, rss) – sou mais do lápis e das tintas, do fazer tátil, orgânico.

C.A. - Super compreendo... E super compartilho do gosto pelo fazer mais orgânico e tátil, como diz. A coisa mais "tecnológica" que me atrevo a fazer, aliás, é escrever neste blog, rsrs... Mas... e pra garotada que quer desenhar profissionalmente?
M.P. - Bem, acho que o primeiro passo para tentar se inserir no mercado da ilustração é aprimorar as técnicas de desenho e pintura, assim como as linguagens (meios de expressão) nos ambientes de ensino: na universidade ou em cursos e workshops. Há ilustradores autodidatas, mas eu diria que o contato com profissionais experientes encurta bastante os caminhos. Para se adquirir um repertório de linguagens se deve ver com frequência o que é feito e o que já foi feito em ilustração (no meu caso, foquei mais o mercado editorial, especificamente na área de literatura para crianças e jovens). Só é possível crescer e se aprimorar conhecendo os vários estilos e ferramentas de profissionais ativos e daqueles que deixaram um legado. Pra quem gosta de ilustração de livros, por exemplo, é ótimo visitar encontros e feiras literárias e ver o que outros ilustradores estão produzindo.

Entrevista com Marcelo Pimentel - Coisicas Artesanais - Simone dos Santos
Marcelo Pimentel apresenta "A flor do mato" - Foto: André Pinnola - 20º Salão 
FNLIJ do  Livro para Crianças e Jovens - Espaço FNLIJ Ilustrador - 04/07/2018

Marcelo, muito grata pela tua participação tão gentil quanto simpática, tão leve e esclarecedora aqui no Coisicas! Foi uma delícia conhecer mais do teu trabalho - tão bonito e especial - e entender um pouco mais sobre as coisas que cercam o ofício e o mundo de um ilustrador - tema, antes, cercado de "mistério" para mim, rs...

Que você continue preparando os projetos mais lindos (com a bênção de poder se dedicar justo àqueles que te tocam o coração), se inspirando nas tradições mais belas e profundas do nosso Brasil, para nos presentear, em formas, em cores e em personagens cativantes, com as histórias mais encantadoras - para as crianças de todas as idades! 

Eu tenho certeza que, a partir de agora, todo mundo que leu essa entrevista vai passar a lembrar sempre do ilustrador quando tiver de elencar trabalhos que envolvam arte e/ou fazeres artesanais! ;)

E se você, leitor, gostou de conhecer o Marcelo e quer saber ainda mais sobre seu trabalho e acompanhá-lo mais de perto, não deixe de visitar o seu blog: 


Marcelo Pimentel - Design e Ilustração Infantil e Juvenil



IMPERDÍÍÍVEL!!!

Vocês sabiam?? O livro "O fim da fila" virou desenho animado! Super bacana, né? :)

A animação, com direção de William Côgo, foi selecionada pelo Anima Mundi e estará na mostra on line do Itaú Cultural, a ser exibida gratuitamente de 19 a 28 de julho, neste link
aqui

Se você perder essa mostra (afinal, ela será bem curtinha), ainda tem como assistir à animação no SP Cine Play. O curta animado estará disponível até novembro deste ano e é preciso fazer um cadastro no site para assisti-lo gratuitamente. Acessando o site, basta girar a barra até a seção intitulada "comKids" e selecionar "O fim da fila" entre as opções.  Aqui.

Além disso, a animação é exibida diariamente na TV RÁTIMBUM (canal 109 da NET) em "horários surpresa" ao longo da programação ;)
* * *


Quer saber mais a respeito?

Marcelo Pimentel e seu livro A flor do mato foram tema de matéria na Revista Época. Leia aqui.


Mas... e os livros do Marcelo? Onde encontrar?? 

O fim da fila - Marcelo Pimentel - Editora Rovelle
Aqui!

A flor do mato - Marcelo Pimentel - Editora Positivo
Aqui, aqui ou aqui ;)

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Poderá também gostar de...

9 de janeiro de 2018

Entrevista com Felipe Callipo


Oba! Mais uma entrevista aqui no Coisicas! Adoro! :)

Acho que já disse aqui o quanto eu curto de montão essa sessão de entrevistas, né? Sim, porque é uma oportunidade muito bacana de conhecer um cadiquinho mais o artista por trás da obra e a pessoa por trás do artista...

Felipe Callipo é uma pessoa e um artista que eu admiro muitíssimo! O artista, que faz um trabalho belíssimo e conscientemente representativo da produção barroca ocorrida no Brasil nos tempos de colônia, eu já mostrei em outro post - leia aqui.

Agora vos convido a conhecer também a pessoa, "o cara", o Felipe "figura", o jovem simpático, bom de prosa, espirituoso e acessível, ao mesmo tempo brincalhão e discreto... 

Já havia algum tempo eu estava "me devendo" (e ao Coisicas) tirar uma horinha para sentar com ele e ter essa prosa. E eis que chegou a ocasião!

Cosicas Artesanais - Felipe, onde você nasceu e em qual data?
Felipe Callipo - Nasci em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, no dia 16 de setembro de 1978.

C.A. - Quais eram suas brincadeiras preferidas na infância?
F. C. - Era só futebol.

C.A. - Só futebol??
F.C. - Só, rs.

C.A. - Bola de gude, pipa... nada?
F. C. - Só futebol, rs...

C.A. - Rs... Tá... Nessa época você já tinha contato com o barro, certo? 
F.C. - É, porque eu aprendi a fazer com o meu pai, então, né... rs

C.A. - Sim... Aliás, o teu pai é um cara que eu também quero "trazer" aqui no Coisicas um dia, pra  mostrar o trabalho dele... Tô me devendo mais essa, rs... Bem..., na infância, você pensava em se tornar o quê quando crescesse? Ser escultor, assim como o teu pai, passava pela tua cabeça?
F.C. - Não. Eu sempre pensei em ser advogado, mas aí não tive dinheiro pra fazer a faculdade, aí eu fiz química, rs... Mas também não queria trabalhar em fábrica, porque eu sou meio preguiçoso, rsrs... Aí fiz artes, aí nas artes deu certo! rsrs...

C.A. - Ufa, ainda bem! Rsrs...  Então você fez escola de artes?
F.C. - É, fiz faculdade de artes. Porque o meu pai dava aula numa faculdade e porque ele falou que se eu queria ser um artista eu tinha que ter uma formação.

C.A. -  Humm... Você cresceu vendo o trabalho do teu pai e também já criava as tuas próprias peças e, então, veio a faculdade... Você acha que o aprendizado acadêmico mudou alguma coisa no teu modo de fazer as tuas peças?
F.C. - Não. Só que eu comecei a valorizar mais o popular... Eu gostava muito de arte renascentista, ah! Aquelas coisas maravilhosas, gigantes! E eu comecei a valorizar o popular. Mas foi participando e vendo e indo em museu... E hoje eu dou muito mais valor ao popular que ao erudito.

C.A. - Curioso, isso... Porque é muito comum ocorrer o oposto, né?... Que, após passar pela academia, alguns olhares releguem o popular a segundo plano ou o considerem "coisa menor"...
F.C. - Ah! E como eu posso?? O popular é a minha base, eu nasci no meio disso, faz parte da minha vida!

C.A. - É mesmo... E é muito interessante esse teu relato... Porque mostra a força cultural que o meio em que estamos inseridos exerce sobre nós, moldando nossas preferências, influenciando nossas escolhas, nossos modos de expressão (moralmente ou esteticamente)... E, vem cá... Quando vc se deu conta de que isso era "pra valer", de que isso seria o teu trabalho?
F.C. - Ói, é... acho que... quando eu tinha uns vinte, vinte e poucos anos, que eu comecei de fato a fazer peças com mais afinco, pra vender...

C.A. - E as peças sacras? Em que momento você passou a esculpir santos? Movido pelo quê?
F.C. - Ah, desde o começo... Comecei fazendo Divino. Quando era moleque, fazia Divino Espírito Santo. Eu sou de Mogi das Cruzes, lá isso é muito forte...

C.A. - Mais uma vez a força do meio... ;)
F.C. - É... E porque vendia muito também! rsrs Aí, uma coisa junta com a outra... rs

C.A. - Rs, tá certo... Bem, a demanda não deixa de ser também uma força (e contundente!) do meio, rsrs... Felipe, é correto afirmar que a tua linguagem é barroca, né?
F.C. - É... Eu busco o barroco paulista.

C.A. - Por quê?
F.C. - Porque tá acabando, ninguém mais faz... Eu não conheço 3 pessoas que fazem isso que eu faço, e é triste isso.

C.A. - O que te inspira nas tuas criações artísticas?
F.C. - Deixar alguma coisa pro futuro, porque eu tô vendo que hoje ninguém tá deixando nada pro futuro... Se a gente não deixar alguma coisa... vai ficar feio daqui a alguns séculos...

C.A. - Como foi no começo?
F.C. - Nossa!... O começo é difícil! Na verdade é difícil até hoje! rs... Mas no começo é muito mais difícil... Pra vc conseguir achar uma linha de trabalho, se encaixar no mercado... É complicado. Depois que encaixou, vai embora, a coisa segue, mas até chegar aí... é difícil, viu?...

C.A. - Você considera que hoje já está "encaixado"?
F.C. - Ah, eu já tenho um certo conhecimento do que eu tenho que fazer pra me dar bem, então é tranquilo.

C.A. - Felipe, você tem alguma dica ou mensagem que possa deixar para quem está começando a trilhar o caminho da cerâmica e da produção artística de imagens sacras?
F.C. - Não desistir. Porque... Acho que quando faltar um pouquinho pra alcançar, assim, vai dar uma vontade imensa de desistir, mas é não desistir. Eu tive dois, três amigos que tinham um trabalho muito bonito e que desistiram. Fui no shopping e vi um desses caras trabalhando numa loja de vender celular... Me cortou o coração, porque é um "p...to" dum artista! O financeiro falou mais alto, ele teve que buscar uma fonte de renda, mas dói o coração, então, a mensagem é não desistir!

Já em "OFF", com o gravador desligado...
Simone - Poxa, Felipe, super valeu! Obrigadíssima! Demais da conta!
Felipe - Ué!... Era só isso? Já acabou??...
Simone - Cabô-ué! Cê tá pensando que isso aqui é programa de televisão?? Rs...
Felipe -  Ah! Eu achei que tinha mais! Rsrs...

Coisicas Artesanais - Entrevista com Felipe Callipo
Felipe se divertindo em breve pausa de 'poses-chacota' impagáveis (e impublicáveis, rs...) 
feitas para as lentes do Coisicas Artesanais, enquanto trabalhava algumas de suas peças.
Revelando São Paulo - SP, dezembro de 2017 - Foto: Dagô

Felipe, querido! Muuuuuuito grata por essa entrevista aqui para o Coisicas! Te admiro muitíssimo, muito mesmo! Tanto pelo teu trabalho, que é de tirar o chapéu e que, mesmo sendo "popular", está carregado de erudição (se me permite o atrevimento de tal comparação, rs), como pela pessoa bacana, simples, simpática e super acessível que você é! Muito agradecida! É uma grande honra ter você proseando aqui  conosco no Coisicas! :)

Que você continue construindo e trilhando esse caminho tão belo e de maneira tão consciente (tão sabedora do que quer!), buscando nas tuas raízes, nas bases da tua formação enquanto indivíduo e nas coisas que aprendeu com teu pai, os elementos de que precisa para transformar fé e cultura típicas da nossa identidade popular em verdadeiras Obras de Arte!
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6 de dezembro de 2017

Entrevista - Um 'dê di próz'* com Renato Magalhães

* legenda para os menos familiarizados ao mineirês: dedo de prosa.


Hoje eu venho publicar uma entrevista que fiz recentemente com Renato Magalhães, artesão que conheci há alguns anos na feira da Afonso Pena, na capital mineira. Homem admirável, de personalidade forte (porém de uma humildade e brandura que contagiam), Renato (justamente por conta de tanta humildade) me deu certo trabalho...

Para começo de conversa, fiquem vocês sabendo que ele não queria que eu escrevesse sobre seu trabalho aqui no Coisicas (e eu só escrevo sobre o trabalho de artistas/artesãos que me permitam fazê-lo)... A verdade é que Renato não quer holofote, não busca reconhecimento... (então para quê quereria uma publicação na internet sobre a beleza do que faz??).

Para um artesão tão desprendido de vaidade como ele, argumentos do tipo "o teu trabalho pre-ci-sa ser conhecido por mais pessoas!" (ou, o que seria mais justo dizer: "as pessoas pre-ci-sam conhecer o teu trabalho!") não causam comoção... Tive de persuadi-lo, então, com outro argumento - e mais contundente: uma publicação no Coisicas Artesanais, um blog com talvez 6 leitores, não seria capaz de tumultuar a pacatez da sua vida de artesão anônimo... ;)

Diante de tão forte e incontestável argumento, Renato acabou cedendo ao meu assédio e me autorizou a falar de seu trabalho. Coisa que, aliás, fiz na hora! (Antes que ele pensasse um pouco mais e mudasse de ideia! rs)... Isso foi há quase dois anos. Leia aqui o post publicado à época.

Bem, brincadeiras à parte, nós dois ficamos muito felizes quando uma moça de Fortaleza, que estava em BH a trabalho, chegou este ano lá na sua barraquinha dizendo que havia rodado a feira inteira "catando ele" e que o estava procurando porque tinha lido sobre o seu trabalho num blog de artesanato... (Ai, gente!!! Teria eu 7 leitores e não 6 como penso?? rs).

Percebendo a alegria que sentimos com aquele contato/feedback inesperado, achei que era chegado o momento de, finalmente, propor ao Renato uma entrevista aqui para o Coisicas...

E não é que ele topou de pronto?! =)

Coisicas Artesanais - Renato, onde você nasceu e em qual data?
Renato Magalhães - BH, 1963.

C.A. - Na infância, quais eram as tuas brincadeiras favoritas? Você tinha já algum contato com a argila?
R.M. - Não... Era brincadeira de criança mesmo, mas eu fazia os meus brinquedos, gostava de jogar bola...

C.A. - Que legal! Outros artesãos que já entrevistei aqui também contaram que criavam seus próprios brinquedos na infância... Quais brinquedos você fazia?
R.M. - Eu fazia aviões, ônibus, de isopor, de papelão..., carrinho de rolimã... Eu gostava de origami também, né... Tem coisa que eu lembro como faz até hoje, muitas eu já esqueci, eu tinha 9 anos quando fazia essas dobraduras...

C.A. - Que legal, Renato! E, nessa época, você sonhava em ser o quê quando crescesse?
R.M. - Ah, eu não tinha noção ainda do que eu queria... Eu gostava mesmo de desenhar...

C.A. - Então você desenhava??
R.M. - Desenhava...

C.A. - E desenhava o quê?
R.M. - Olha, meus desenhos eram variados.... na adolescência era mais psicodélico, gostava de preto e branco, luz e sombra... Fiz até um autorretrato meu.

C.A. - Nossa! Que bacana! Agora eu fiquei curiosa, quero ver esse autorretrato um dia! ;) E, vem cá..., antes de trabalhar com argila, criando suas mandalas e seus colares, você trabalhou com alguma outra coisa?
R.M. - Ah... várias coisas... Desde trabalhar com floricultura, bem novo, ajudando meu tio... Tive carteira de trabalho assinada com 14 anos... Empresa de transporte, almoxarifado, empresa pública...

C.A. - De tudo um pouco?
R.M. - É...

C.A. - E você acha que essas experiências tão diversas ajudaram a formar o Renato que você é hoje?
R.M. - Ajudaram... porque você vê muita coisa, tem noção de tipo de pessoas, a visão do lucro, as pessoas ali... Ver algumas coisas me desgostou até, me fez até querer sair...

C.A. - Te fez perceber que você queria outra coisa pra tua vida?
R.M. - É... eu não queria passar por aquilo não, rs...

C.A. - E em qual momento da vida você "encontrou" a argila e passou a fazer artesanato?
R.M. - Ah, já desde os 16 anos... Tinha uma cerâmica perto de casa e eu comecei a fazer uns desenhos nos jarros de um amigo. Eram desenhos que eu já fazia em papel... e comecei a passar pro barro. Aí eu gostei de trabalhar com cerâmica, que tem os quatro elementos da natureza, e aí não parei mais...

C.A. - Nossa... Que interessante isso, Renato... Porque o desenho parece que esteve sempre presente como uma necessidade expressiva tua, desde a infância, né? Você gostava de desenhar quando menino; começou fazendo desenhos em papel (fez até autorretrato!). Depois, foi passando os teus desenhos pra jarros de cerâmica e, hoje, as tuas mandalas têm um elemento pictórico muito marcante, trazendo formas, linhas e contornos tão cuidadosamente elaborados! Bem..., o desenho, eu acredito que seja mesmo uma habilidade inata, um dom teu, mas... e a argila? Alguém te ensinou alguma técnica para o trato com a argila ou isso foi um aprendizado intuitivo?
R.M. - É... Olha... eu desenvolvi muita técnica própria e aprendi com muita gente, observando as pessoas trabalhando.

C.A. - Hum... Você se considera um bom observador?
R.M. - Sim...

C.A. - Renato, você acredita que a dedicação ao artesanato é capaz de nos ajudar em processos de cura?
R.M. - Olha... Não sei desse negócio de cura... Pra mim, quem cura é Deus. O que eu acho que acontece é que quando você se determina a fazer alguma coisa, qualquer coisa, você muda o foco.

C.A. - Muda o foco e, daí, abranda a dor??

R.M. - É. Aí você fica melhor...

C.A. - Você acha, então, que é uma questão de propósito e determinação?
R.M. - É. Porque... qualquer coisa que vc faça, se te distrai, te tira da dor e você consegue vencer... Às vezes meu filho me chama pra brincar e eu tô cheio de dor, mas ali na hora, brincando com ele, parece que não tem a dor...

C.A. - Renato, você gostaria de deixar alguma mensagem para os nossos talvez 6 ou 7 leitores? ;)
R.M. - Ah... ter sempre confiança no que gosta, porque o maior valor é você ter uma satisfação profissional, o dinheiro é só consequência... Então é você trabalhar, não pelo dinheiro, mas pelo prazer de trabalhar.


Coisicas Artesanais - Entrevista com Renato Magalhães
As mãos do artista...

Coisicas Artesanais - Entrevista com Renato Magalhães
... e suas peças, expostas na feira da Afonso Pena, em BH.

Renato, querido, muito grata, demais da conta mesmo, por esse dedin de prosa aqui pro Coisicas! Por mais que eu já tenha dito isso pessoalmente, mais de uma vez até, acho que você não pode imaginar o tamanho da minha alegria e o prazer que você me proporcionou quando me autorizou a escrever sobre o teu trabalho e ainda mais agora, com essa entrevista. Por isso, mais uma vez eu digo: lhe sou muito, muito grata!

Desejo tudo de mais lindo pra você, que Deus continue te fortalecendo e te inspirando a se superar, a surpreender e a criar e recriar a beleza nas tuas peças, tão delicadas e únicas!

Muita Luz e belas inspirações sempre pra você!

Aos leitores que estejam por BH e queiram visitar a barraquinha do Renato sem ter que "fazer a gincana" rodando a feira toda procurando por ele, vou deixar a dica para ficar mais fácil encontrá-lo. A feira acontece sempre aos domingos, na Av. Afonso Pena (entre a rua da Bahia e a Guajajaras) e o Renato fica no setor das cerâmicas, no lote das barraquinhas de cor vermelha e branca, pertinho da calçada do Palácio das Artes. O "endereço" é este:

Setor G - Fila 5 - Barraca 15

Anota direitinho pra não se perder, porque a feira é graaaande! ;)
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1 de setembro de 2017

Entrevista - Artesanato e os caminhos da superação - Um 'papo cabeça' com a terapeuta Edna Pinto Chagas


Muito se ouve dizer sobre o efeito curativo do artesanato para aliviar o coração, desanuviar a mente, combater o stress e a ansiedade, resgatar a confiança, a autoestima etc. Mesmo em casos clínicos, a dedicação (ainda que temporária) a trabalhos que envolvam criatividade e fazer manual parece trazer resultados positivos consideráveis na recuperação dos pacientes.

Aqui mesmo, no Coisicas Artesanais, já tivemos o relato da Gílian, que atribui ao seu envolvimento com o artesanato o fato de ter conseguido vencer uma forte depressão, e conhecemos o trabalho do Renato, que passou a se dedicar à criação de pequenas mandalas de barro, sua "defesa" contra as dores provocadas por uma doença com a qual é obrigado a conviver.

E foi pensando nesse forte elo entre artesanato e cura, ente fazeres manuais e bem-estar, que decidi convidar Edna Pinto Chagas para uma entrevista aqui no Coisicas. Terapeuta junguiana, Edna lança mão de técnicas criativas, histórias, artesanato, atividades lúdicas etc para conduzir seus pacientes por caminhos de autoconhecimento, cura e superação. Eu própria fui por ela conduzida... por 11 anos!

[Apegada, eu?? Esperem até conhecê-la um pouquinho nessa entrevista e vocês compreenderão...]

E, por tudo isso, convido também vocês a participarem dessa entrevista que poderá ter certo ar de "papo cabeça". Mas não só... Será também um "papo alma", um "papo coração"... Porque, é certo, esta será uma conversa que, envolvendo nossas questões tão humanas, não poderia deixar de lançar luz sobre o TODO que somos. 

Coisicas Artesanais - Edna, tem "mágica"??
Edna Pinto Chagas - A mágica que tanto nos deslumbra é, em verdade, uma ilusão dos sentidos. Costumamos chamar de mágica aquilo que nos fascina. Neste sentido, tem mágica sim, tem envolvimento e deslumbramento.

C.A. - Hummm... e como se passa essa "mágica" dentro da gente? O que acontece quando a gente começa a fazer um trabalho manual e fica envolvido de uma tal maneira que, de repente, percebe que perdeu até noção da hora?... 
E.P.C. - Mudamos o nosso funcionamento habitual, que privilegia o hemisfério cerebral esquerdo (racional, lógico, cético, matemático, concreto) e colocamos em funcionamento o hemisfério cerebral direito (criativo, intuitivo, sonhador, abstrato). Quando a razão consegue ficar um pouco de lado, abrem-se novas perspectivas. O ideal, como propõe Jung, é harmonizar os opostos: não isso OU aquilo, mas isso E aquilo...

C.A. Sim, claro... Apenas quando conjugamos os nossos "múltiplos" é que podemos ser INTEIROS, né?... Mas, então... quando a gente está fazendo um trabalho manual, a gente está ativando e integrando nosso "lado  emoção" e nosso "lado razão", digamos assim, e colocando os dois para "trabalhar juntos" e, então, nesse momento, estamos "inteiros" e, portanto, mais "capacitados" a lançar novos olhares e acessar novas "respostas" para as coisas que nos cercam... É isso?
E.P.C. - É isso mesmo, e é muito bom!... 

C.A. - Edna, você, primeiramente, se formou e trabalhou nas áreas de letras e informática, certo? Em que momento da sua vida você despertou o olhar para a terapia? O que te moveu a buscar compreender e ajudar as pessoas por esse viés? 
E.P.C. - Depois de ter experimentado os dois lados, o humano e o tecnológico por muitos anos, eu ainda pensava que tinha que me submeter ao “isso OU aquilo”, mas havia uma certa insatisfação dentro de mim... eu me achava esquisita, não muito bem definida. Um dia me dei conta que, em toda a minha vida, as pessoas me procuravam para compartilhar seus sentimentos mais profundos. Como professora, isso acontecia com meus alunos. Até mesmo amiguinhos da minha filha me contavam coisas que eles diziam que não queriam abrir para seus pais. Na Informática, em empresas grandes, os colegas sempre colocavam uma cadeira na frente da minha mesa e sentavam ali para um papo “secreto”. Só muito depois eu me dei conta que ali estava uma semente que acabou me levando à Psicologia.

C.A. - Outras especialidades e modos de terapia chegaram antes da Psicologia pra você, certo? Como foi esse processo? O que você buscava?
E.P.C. - Não foi simples; eu resistia muito em voltar aos bancos universitários pela terceira vez, especialmente porque já tinha 50 anos. Comecei a fazer umas formações mais curtas, de um ou dois anos: Dinâmica de grupo, Terapias naturais, Cromoterapia, Massagens Bioenergéticas, Psicodrama pedagógico e organizacional, Arteterapia... Um dia, atendendo com arteterapia, recebi uma moça que havia saído de internação em uma instituição psiquiátrica e pude ver, além das marcas físicas que ela trazia por ter sido fortemente amarrada, o seu profundo sofrimento. Isso foi o empurrão final para que eu percebesse concretamente que precisava estudar mais sobre o ser humano e fui fazer Psicologia. Acho que o fio condutor que costura minhas diferentes experiências de vida é o respeito e o amor pelas pessoas e um desejo profundo de ajudá-las a encontrar as respostas que estão dentro delas mesmas.

C.A. - Sim, pois é... Parece até irônico porque, de certo modo, todos nós já temos as "respostas" que tanto buscamos, né? O "problema" é que para acessar essas respostas também precisamos descer ao nosso "porão", escuro e cheio de "tralhas"... E penso que, mais que coragem, é preciso muita disposição para encarar nosso "porão", né? (E fazer a "faxina"! rs)... E, também por isso, é tão importante encontrarmos um profissional que nos ajude nesse processo e nos conduza com amor...
E.P.C. - No “porão” existe a tralha, mas existe também nosso potencial ainda não explorado... e esse é o tesouro que vale a pena explorar... 

C.A. - Sim! Como eu ia dizendo... um profissional que nos conduza com amor e nos ajude a lembrar/perceber que no porão não tem só tralha! Rsrs... E, vem cá... Desde  menina, você sempre demonstrou inclinação para trabalhos manuais e artesanato ou isso surgiu a partir do seu encontro com a arteterapia?
E.P.C. - Eu sou de uma geração que aprendia na família e na escola os trabalhos manuais. Ainda menina, minha avó e minha bisavó me ensinaram a fazer tricô e crochê. Minha mãe me ensinou a trabalhar com papel e também a pintar. Ela sempre me levou para visitar museus e exposições. Assim, trabalhar com as mãos em criações expressivas fez parte da minha vida desde cedo. Chegar à formação em Arteterapia foi consequência...

C.A. - Bacana. E é mesmo: a garotada de gerações anteriores era mais habituada aos fazeres manuais...
E.P.C. - E era muito rico ter a possibilidade desse acesso... 

C.A. - É verdade... Bem, nos últimos anos você descobriu e desenvolveu um trabalho super bonito com Mandalas, onde "brinca" com cores e formas e, assim, elabora a tua própria expressão artística... Como é, para a terapeuta que conduz diversos pacientes por técnicas artesanais, trabalhos criativos e fazeres manuais, se ver também conduzida pela arte?
E.P.C. - As mandalas possuem algumas características que me agradam... Primeiro, sua simetria, que atende a meu lado racional. Segundo, a variedade e combinação das cores e formas, que atende a meu lado criativo. Fiz muitas experiências com diferentes suportes e técnicas até chegar ao que eu hoje chamo de Mandalas Pessoais, seja na sua expressão de Monogramas, seja na sua expressão de Vibração, escondendo palavras que emprestam sua vibração a um ambiente. Estou escrevendo um livro sobre essa trajetória, mas também exponho isso no meu blog. Criar essas mandalas é, sobretudo, uma experiência de muito prazer e me ajuda a mergulhar dentro de mim, desvelando muitas questões...

Coisicas Artesanais - Edna Pinto Chagas
Esta aqui me foi dada de presente♥. Você consegue ver qual palavra ela guarda?

C.A. - Hummm... Então esse processo criativo das Mandalas exerce em você a mesma "mágica" e... também a terapeuta "entra em terapia"?
E.P.C. - Claro... O terapeuta precisa estar também em terapia para não misturar suas questões com as das pessoas que o procuram. Gosto da expressão que Roberto Crema usa para designar o par terapeuta/paciente: companheiros evolutivos... Gosto porque destaca o ponto de que ambos estão em crescimento e não um deles mais passivo...

C.A. - Sim... E, afinal, o terapeuta, para além de ser terapeuta, segue sendo humano, né? (Aliás, ainda bem! Rsrs)... E, vem cá... Que bacana isso do teu livro, hein! Quando rolar o lançamento, vem contar pra gente aqui! =)
E.P.C. - Com certeza... Mas é um projeto que só deve ficar pronto no ano que vem... 

C.A. - Opa! Já estou na expectativa! ;) Edna, nas nossas sessões de arteterapia eu aprendi muitas técnicas incríveis com você... A que mais me deixou "tarada" à época (rsrs) foi aprender a fazer mosaicos de ladrilho... Lembro que comprei material para poder fazer também em casa e que, nessas ocasiões, eu era capaz de ficar horas seguidas debruçada sobre a mesa e nem fome eu sentia! Creio que foi a técnica que mais mexeu comigo... Há alguma técnica com a qual você se identifique mais e que te dê mais prazer ensiná-la e concretizá-la com seus pacientes?
E.P.C. - A técnica do mosaico permite simbolicamente desconstruir significados (quando você quebra os azulejos) e reconstruí-los (quando você reagrupa os cacos criando uma nova forma). Também gosto muito dela. Em uma outra alternativa eu uso papéis coloridos, ou recortando ou rasgando. Gosto também da variação que usa palavras ou imagens recortadas de revistas...

C.A. - Pois é! Esse negócio de, ainda que simbolicamente, quebrar o já pronto para reconstruir algo novo (e meu!) foi mesmo uma experiência "porreta"! Rsrs... Penso que podemos supor, então, que cada trabalho manual sugerido em terapia, cada técnica artesanal traz consigo uma "simbologia" que conduzirá nosso acesso ao "porão" e acenderá uma luzinha lá, para que possamos enxergar o que antes não víamos, certo?
E.P.C. - Certíssimo! O processo terapêutico se dá resgatando do inconsciente novas informações sobre você mesma. E assim ampliando seu nível de consciência... É o que está escrito no Oráculo de Delphos na Grécia... (conhece-te a ti mesmo) ou como está no evangelho: conhece a verdade e ela te libertará... Simples... mas nem tanto...

C.A. - Sim, simples "só que não", rsrs... Sabe, Edna? Uma amiga me contou que uma vez ela chegou no teu consultório se sentindo imensamente triste e chorando muito, e que vc a levou até a janela da tua sala e a entregou um frasquinho de bolinhas de sabão pra ela soprar e que esse gesto simples (soprar bolinhas de sabão na janela) foi capaz de tirar um peso insuportável do seu coração. Tem mais que meramente terapia aí, não? Tem delicadeza e sensibilidade também...
E.P.C. - Realmente, ela era uma pessoa muito reservada e introspectiva, e chegou nesse dia muito magoada e entristecida com algo que havia acontecido com ela. O silêncio dela era uma barreira entre nós. Estava claro para mim que ela precisava esvaziar o coração mas que não ia ser falando... Por isso, propus um exercício respiratório, usando as bolhas de sabão. Pedi que ela pensasse no que a estava oprimindo e soprasse com força para longe dela... Ficamos um bom tempo soprando bolhas de sabão pela janela, ela e eu, e observando sua trajetória, tamanho e os reflexos do sol nelas. Nunca fiquei sabendo o que a havia machucado tanto mas, ao sair do consultório, ela me abraçou e disse baixinho ao meu ouvido: "Obrigada... estou me sentindo bem mais aliviada". No meu modo de ver, não existe terapia se não houver delicadeza e sensibilidade...

C.A. - É... é emocionante esse teu relato... E como é que vc percebe o que propor pra cada paciente? É um olhar clínico? Ou é olhar com o coração??
E.P.C. - Mais uma oportunidade de exercitar o "E" ao invés do "OU"... Claro que o olhar clínico é imprescindível, mas sem o coração fica tudo muito frio. No caminho da terapia não há certezas, cada pessoa é única e, por isso, não há receita pronta... e é aí que entra o coração... Como recomenda Jung: conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas uma outra alma humana...

Edna, querida, muitíssimo grata por essa entrevista concedida aqui pro Coisicas Artesanais. Aliás, muito grata por tudo! Gratidão é o sentimento mais intenso que aflora de mim por você, para além de algumas afinidades descobertas, para além do afeto construído e do carinho confirmado, para além do respeito e da admiração que ultrapassam o período em que fomos "companheiras evolutivas" ;) 

Muito grata! Pelo companheirismo, pela generosidade, pela doação...

É lindo e emocionante ver que você realiza o teu trabalho com tanto amor e que distribui esse amor entre as pessoas que procuram a tua ajuda para descer até seus porões, fazer a faxina e... encontrar insuspeitados tesouros!

Agradecida demais da conta! ♥

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E se você curtiu essa entrevista e quer conhecer um pouco mais a Edna e seu trabalho, ler reflexões que tornam o dia mais leve (ou que deixam uma pulguinha atrás da orelha, rs...) e, ainda, se está curioso para ver (e se encantar com) as lindas Mandalas por ela criadas, visite o seu blog!

Aqui: Edna Encontrarte
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21 de abril de 2017

Entrevista - trocando figurinhas com Gílian Demori


Preciso contar uma coisa pros meus (talvez 6) leitores: eu curto muito esta sessão de entrevistas aqui do Coisicas Artesanais. Porque é fantástico a gente poder conhecer (um pouquinho que seja) o artista por trás da obra, a pessoa por trás do artista e as histórias de vida por trás de uma inspiração... Isso, de certo modo, creio que nos une, porque revela o humano em todos nós. O começo, o medo, o tropeço, o erro... Mas também o aprendizado, o acerto, a conquista, a superação!

Hoje nossa prosa delicinha e com a maior cara de "visitinha entre comadres" é com a queridíssima Gílian Demori. Pode entrar! Fica à vontade! ;)

Coisicas Artesanais - Gílian, vou começar com a pergunta que faço a todos aqui no Coisicas, e juro que não é por falta de criatividade, mas por curiosidade mesmo: onde nasceu e em que data? 
Gílian Demori - Nasci em São Paulo, embora a maioria das pessoas pensem que eu seja gaúcha, pois além de minha mãe ser do interior do Rio Grande do Sul, moramos um tempo considerável em Porto Alegre. Ahhh sim, nasci em 6 de janeiro... O ano? Affff.... foi no século passado, pode ficar só nisso? rssssssss (1965)... 

C.A. - Que linda, nasceu no Dia de Reis! :) Tá, mas então... no século passado (ops!), na infância quais eram suas brincadeiras favoritas? 
G.D. - Menina, eu adorava brincar de bonecas. Vestia, penteava, dava banho, comidinhas...rssss... Minha irmã mais velha era a que subia em árvores e pulava muros, eu era a 'comportada' que preferia ficar em casa brincando com as bonecas, mesmo...rsss

C.A. - E, entre essas brincadeiras da infância, vc identifica alguma que fosse já um "sinal" da importância que o artesanato passaria a representar na tua vida? Eu, por exemplo, adorava assistir ao programa "mãos mágicas" num canal de televisão. 
G.D. - Menina, que programa é esse?? 

C.A. - Ih, deixa pra lá... Era um programa do século passado... ;)
G.D. - Rsssss... Eu adorava assistir a desenhos animados, mas em relação ao artesanato acho que meus indícios mais remotos e incipientes dizem respeito às bonecas de papel... não é da sua época, rssss... Eram bonequinhas (de papel, claro) que vinham em uma espécie de livrinho ou em uma folha só, já não lembro, e você recortava e ela vinha com vestidinhos para 'trocar' e às vezes algum acessório. Então eu pegava as revistas Cláudia ou Manchete que apareciam em casa e, quando havia algum editorial ou propaganda em que aparecesse uma mulher com um vestido com estampa bonita, eu tentava encaixar algum dos vestidinhos que já vinham junto com a boneca, passava um risco com lápis para marcar e recortava, aumentando assim o 'guarda-roupas' fashion da minha bonequinha...rssss. O bom delas é que dava para fazer dezenas de vestidos novos, o ruim é que, sendo de papel, as bonecas não sobreviviam por muito tempo...rssss

C.A. - Menina, mas é claro que eu me lembro das bonequinhas de papel! Também brinquei com elas! (Aff, assim você me obriga a deixar indícios fortíssimos de que eu também sou do século passado! rs)... Tá... "mas hein"... e quando criança você sonhava em "ser o quê" quando crescesse? 
G.D. - Acho que quando era beeem pequena eu sonhava em ser dona de casa (pense que criatura mais sossegada eu era...rsss) .... depois me imaginava professora primária (fiz magistério, inclusive, no mais tradicional colégio de freiras de Porto Alegre, à época...rsss) e mais tarde, já no fim da adolescência, comissária de bordo, profissão que posteriormente eu exerci por 16 anos, até que a empresa foi 'saída' do mercado, no ano de 2006...

C.A. - E você é formada em História, certo? Vc vê, de algum modo, alguma influência dessa formação no teu trabalho manual hoje ou acha que isso ficou lá pra trás? Concorda que é possível viver muitas vidas numa vida? 
G.D. -  Opa, com certeza! Eu inclusive queria ter vivido muito mais vidas nessa daqui...rssss. Sim, sim, me formei em História e agradeço meus pais que me proporcionaram poder escolher o que gostava e não precisar trabalhar na ocasião. Eu acho que a formação acadêmica nessa área possivelmente apurou um pouco meu senso estético, a combinação de cores, equilíbrio de volumes. História da Arte, por 2 semestres, e posteriormente Seminário de História da Arte eram minhas disciplinas prediletas.

C.A. - Que maneiro! Creio que seriam as minhas preferidas também! ... Essas aulas te deixaram com o olhar apurado para o "belo", né? Então vem cá, antes de se dedicar ao artesanato, vc trabalhou em outras áreas? 
G.D. - Sim. Assim que me formei fui trabalhar com meu pai que tinha uma distribuidora de cosméticos em Porto Alegre. Nada a ver com o curso que acabara de concluir mas como era um negócio de família, eu acabei indo no embalo. Pouco tempo depois uma amiga me chamou para nos inscrevermos na seleção de comissários da Varig e eu, apesar de achar fascinante e sonhar com aquilo, fui absolutamente descrente de que pudesse passar. E eis que meses depois estava fazendo as malas e me mudando para São Paulo para fazer o curso de Formação de Comissários da empresa.

C.A. - Uau! Imagino a tua surpresa! Mas vc chegou a lecionar também, não? De qual atividade dessas gostava mais? 
G.D. - Ser comissária... com certeza! Cheguei a lecionar no magistério (só no estágio) e depois que me formei (numa turma de supletivo duas vezes por semana e por pouquíssimo tempo também - o salário mal dava para pagar o combustível ou ônibus, se colocasse na ponta do lápis...rsss). Mas a aviação era a minha praia. Até hoje ainda sonho (e de forma bem recorrente) que estou de uniforme e puxando minha mala por algum aeroporto qualquer...

C.A. - Nossa! Que incrível isso dos sonhos... Também pudera! Ser comissária fazia parte dos teus sonhos de menina! ... E, nessa história toda aí, em qual momento o gosto pelo artesanato apareceu? Quando passou a se dedicar ao artesanato, ainda que esporadicamente? E em que momento o artesanato deu sinais de que queria ser o protagonista na tua vida e que seria um bom e novo caminho a ser seguido? 
G.D. - Antes da empresa sair do mercado, eu já me interessava por artesanato e comprava revistas e materiais aos montes (o povo comprava um saquinho com 2 guardanapos de determinado modelo, eu, a descompensada, mesmo sem fazer quase nada, comprava logo o pacote com 20 e quando não um, 2 pacotes às vezes...rsss)

C.A. - Rsrsrs... Ai... o pior é que conheço alguém i-gaul-zi-nha!... rsrs
G.D. - E quem não? rsrs...  Bem... daí fiz um curso de decoupagem aqui perto de casa para tentar me aperfeiçoar mas achei muito fraco, faltava alguma coisa e eu não sabia o que era. Um dia, me apresentando para voar, encontrei uma amiga com uma peça belíssima nas mãos e conversando descobri que ela dava aulas de pintura country e resolvi marcar aula com ela. Foi então que eu descobri o que faltava e que no curso anterior não havia sido ensinado: sombra! Um projeto de pintura sem sombra, com decoupagem ou não, é uma imagem chapada e sem apelo. A sombra imprime volume, dimensão, eleva o trabalho a outro nível. O artesanato deu um salto em minha vida quando, fazendo parte de um grupo de artesãs no falecido Orkut, onde postávamos as peças que criávamos, do nada, uma quase desconhecida (conhecida apenas no universo virtual), me chamou para apresentar um tutorial em um programa de TV, o Sabor de Vida, na Rede Aparecida. Eu nem acreditei que pudesse ser verdade mas aceitei e depois disso vieram o segundo convite, terceiro, quinto, sétimo..., editorial em revista, patrocinadores... enfim, quando vi, o artesanato me resgatou da depressão em que a 'viuvez' da aviação me jogou e se tornou minha nova atividade profissional.

Coisicas Artesanais - entrevista com Gílian Demori
Gílian (ao fundo, atrás da bancada) na gravação do programa Ateliê na TV
























C.A. - E como foi no começo desse processo? 
G.D. - No início ele coincidiu (na verdade antecedeu um pouco apenas) com a demissão em massa, quando a empresa quebrou. Eu entrei em depressão e quase não saia da cama (e isso por 2 anos, praticamente). Até que, por insistência dessa professora, voltei aos poucos a mexer com meus materiais, criar uma peça aqui, outra ali... Por indicação de uma outra amiga passei a postá-los no Flickr, a plataforma de imagens mais conhecida na época, depois no Orkut... A seguir, abri minha loja em uma plataforma de vendas de artesanato e então veio o primeiro convite para tv, como comentei anteriormente...

C.A. - A gente sempre ouve dizer que artesanato é uma verdadeira terapia... E ele foi capaz de te tirar duma crise braba, né? Que bacana, Gílian! Agora vou te pedir pra deixar alguma dica para quem está começando no artesanato. (Sendo que... Tá, eu sei, a entrevistada aqui é vc mas... eu já quero deixar uma dica pros leitores, se você me permite: gente! Assistam aos vídeos da Gílian!!! São imperdíveis!!!)... Pronto. Gílian, alguma dica mais? ;) 
G.D. - Rsss... você é um doce, Simone. Obrigada pelo carinho e prestígio que me concede e por ter me convidado para fazer parte dessa sessão do seu blog. Um conselho que eu poderia dar é: procurem inspiração em todos os lugares possíveis. Seja em blogs, no Pinterest (a Bíblia das inspirações artesanais, hoje em dia), revistas, Youtube... procurem onde for e estejam de olhos e mente abertos o tempo todo, mas na hora de criar, acrescentem um detalhe do seu gosto, da sua experiência, do seu universo, da sua visão e percepção das coisas. É o que vai fazer seu artesanato único, é o que vai imprimir uma assinatura e fazer com que tenha reconhecimento nesse universo tão ilimitado e envolvente que é o processo de criar algo único com as próprias mãos. Simone, mais uma vez obrigada por esse convite tão gostoso, eu amei constar na sua galeria de entrevistados.

Coisicas Artesanais - entrevista com Gílian Demori
Gílian (de avental azul-jeans) entre suas pupilas após uma oficina sua no Ateliê Cantinho da Arte

Gílian, querida... obrigada eu! Tô muuuuuuito feliz com essa prosa que tivemos aqui, sem contar a gratidão por você ser essa pessoa tão generosa. Tudo de muito lindo procê e as mais belas inspirações te visitando sempre! :)

* * *

Se você ainda não leu o post que publiquei sobre o trabalho da Gílian, então dá uma olhadinha aqui, ó!

E veja aqui uma "solução" que encontrei prum trabalhinho meu a partir de uma inspiração Gilianesca ;) 

E, ainda, se te interessa ler um pouco mais a respeito da relação entre artesanato e processos de cura, leia aqui a entrevista que fiz com a terapeuta Edna Pinto Chagas, que vem nos esclarecer sobre este tema.