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1 de setembro de 2017

Entrevista - Artesanato e os caminhos da superação - Um 'papo cabeça' com a terapeuta Edna Pinto Chagas


Muito se ouve dizer sobre o efeito curativo do artesanato para aliviar o coração, desanuviar a mente, combater o stress e a ansiedade, resgatar a confiança, a autoestima etc. Mesmo em casos clínicos, a dedicação (ainda que temporária) a trabalhos que envolvam criatividade e fazer manual parece trazer resultados positivos consideráveis na recuperação dos pacientes.

Aqui mesmo, no Coisicas Artesanais, já tivemos o relato da Gílian, que atribui ao seu envolvimento com o artesanato o fato de ter conseguido vencer uma forte depressão, e conhecemos o trabalho do Renato, que passou a se dedicar à criação de pequenas mandalas de barro, sua "defesa" contra as dores provocadas por uma doença com a qual é obrigado a conviver.

E foi pensando nesse forte elo entre artesanato e cura, ente fazeres manuais e bem-estar, que decidi convidar Edna Pinto Chagas para uma entrevista aqui no Coisicas. Terapeuta junguiana, Edna lança mão de técnicas criativas, histórias, artesanato, atividades lúdicas etc para conduzir seus pacientes por caminhos de autoconhecimento, cura e superação. Eu própria fui por ela conduzida... por 11 anos!

[Apegada, eu?? Esperem até conhecê-la um pouquinho nessa entrevista e vocês compreenderão...]

E, por tudo isso, convido também vocês a participarem dessa entrevista que poderá ter certo ar de "papo cabeça". Mas não só... Será também um "papo alma", um "papo coração"... Porque, é certo, esta será uma conversa que, envolvendo nossas questões tão humanas, não poderia deixar de lançar luz sobre o TODO que somos. 

Coisicas Artesanais - Edna, tem "mágica"??
Edna Pinto Chagas - A mágica que tanto nos deslumbra é, em verdade, uma ilusão dos sentidos. Costumamos chamar de mágica aquilo que nos fascina. Neste sentido, tem mágica sim, tem envolvimento e deslumbramento.

C.A. - Hummm... e como se passa essa "mágica" dentro da gente? O que acontece quando a gente começa a fazer um trabalho manual e fica envolvido de uma tal maneira que, de repente, percebe que perdeu até noção da hora?... 
E.P.C. - Mudamos o nosso funcionamento habitual, que privilegia o hemisfério cerebral esquerdo (racional, lógico, cético, matemático, concreto) e colocamos em funcionamento o hemisfério cerebral direito (criativo, intuitivo, sonhador, abstrato). Quando a razão consegue ficar um pouco de lado, abrem-se novas perspectivas. O ideal, como propõe Jung, é harmonizar os opostos: não isso OU aquilo, mas isso E aquilo...

C.A. Sim, claro... Apenas quando conjugamos os nossos "múltiplos" é que podemos ser INTEIROS, né?... Mas, então... quando a gente está fazendo um trabalho manual, a gente está ativando e integrando nosso "lado  emoção" e nosso "lado razão", digamos assim, e colocando os dois para "trabalhar juntos" e, então, nesse momento, estamos "inteiros" e, portanto, mais "capacitados" a lançar novos olhares e acessar novas "respostas" para as coisas que nos cercam... É isso?
E.P.C. - É isso mesmo, e é muito bom!... 

C.A. - Edna, você, primeiramente, se formou e trabalhou nas áreas de letras e informática, certo? Em que momento da sua vida você despertou o olhar para a terapia? O que te moveu a buscar compreender e ajudar as pessoas por esse viés? 
E.P.C. - Depois de ter experimentado os dois lados, o humano e o tecnológico por muitos anos, eu ainda pensava que tinha que me submeter ao “isso OU aquilo”, mas havia uma certa insatisfação dentro de mim... eu me achava esquisita, não muito bem definida. Um dia me dei conta que, em toda a minha vida, as pessoas me procuravam para compartilhar seus sentimentos mais profundos. Como professora, isso acontecia com meus alunos. Até mesmo amiguinhos da minha filha me contavam coisas que eles diziam que não queriam abrir para seus pais. Na Informática, em empresas grandes, os colegas sempre colocavam uma cadeira na frente da minha mesa e sentavam ali para um papo “secreto”. Só muito depois eu me dei conta que ali estava uma semente que acabou me levando à Psicologia.

C.A. - Outras especialidades e modos de terapia chegaram antes da Psicologia pra você, certo? Como foi esse processo? O que você buscava?
E.P.C. - Não foi simples; eu resistia muito em voltar aos bancos universitários pela terceira vez, especialmente porque já tinha 50 anos. Comecei a fazer umas formações mais curtas, de um ou dois anos: Dinâmica de grupo, Terapias naturais, Cromoterapia, Massagens Bioenergéticas, Psicodrama pedagógico e organizacional, Arteterapia... Um dia, atendendo com arteterapia, recebi uma moça que havia saído de internação em uma instituição psiquiátrica e pude ver, além das marcas físicas que ela trazia por ter sido fortemente amarrada, o seu profundo sofrimento. Isso foi o empurrão final para que eu percebesse concretamente que precisava estudar mais sobre o ser humano e fui fazer Psicologia. Acho que o fio condutor que costura minhas diferentes experiências de vida é o respeito e o amor pelas pessoas e um desejo profundo de ajudá-las a encontrar as respostas que estão dentro delas mesmas.

C.A. - Sim, pois é... Parece até irônico porque, de certo modo, todos nós já temos as "respostas" que tanto buscamos, né? O "problema" é que para acessar essas respostas também precisamos descer ao nosso "porão", escuro e cheio de "tralhas"... E penso que, mais que coragem, é preciso muita disposição para encarar nosso "porão", né? (E fazer a "faxina"! rs)... E, também por isso, é tão importante encontrarmos um profissional que nos ajude nesse processo e nos conduza com amor...
E.P.C. - No “porão” existe a tralha, mas existe também nosso potencial ainda não explorado... e esse é o tesouro que vale a pena explorar... 

C.A. - Sim! Como eu ia dizendo... um profissional que nos conduza com amor e nos ajude a lembrar/perceber que no porão não tem só tralha! Rsrs... E, vem cá... Desde  menina, você sempre demonstrou inclinação para trabalhos manuais e artesanato ou isso surgiu a partir do seu encontro com a arteterapia?
E.P.C. - Eu sou de uma geração que aprendia na família e na escola os trabalhos manuais. Ainda menina, minha avó e minha bisavó me ensinaram a fazer tricô e crochê. Minha mãe me ensinou a trabalhar com papel e também a pintar. Ela sempre me levou para visitar museus e exposições. Assim, trabalhar com as mãos em criações expressivas fez parte da minha vida desde cedo. Chegar à formação em Arteterapia foi consequência...

C.A. - Bacana. E é mesmo: a garotada de gerações anteriores era mais habituada aos fazeres manuais...
E.P.C. - E era muito rico ter a possibilidade desse acesso... 

C.A. - É verdade... Bem, nos últimos anos você descobriu e desenvolveu um trabalho super bonito com Mandalas, onde "brinca" com cores e formas e, assim, elabora a tua própria expressão artística... Como é, para a terapeuta que conduz diversos pacientes por técnicas artesanais, trabalhos criativos e fazeres manuais, se ver também conduzida pela arte?
E.P.C. - As mandalas possuem algumas características que me agradam... Primeiro, sua simetria, que atende a meu lado racional. Segundo, a variedade e combinação das cores e formas, que atende a meu lado criativo. Fiz muitas experiências com diferentes suportes e técnicas até chegar ao que eu hoje chamo de Mandalas Pessoais, seja na sua expressão de Monogramas, seja na sua expressão de Vibração, escondendo palavras que emprestam sua vibração a um ambiente. Estou escrevendo um livro sobre essa trajetória, mas também exponho isso no meu blog. Criar essas mandalas é, sobretudo, uma experiência de muito prazer e me ajuda a mergulhar dentro de mim, desvelando muitas questões...

Coisicas Artesanais - Edna Pinto Chagas
Esta aqui me foi dada de presente♥. Você consegue ver qual palavra ela guarda?

C.A. - Hummm... Então esse processo criativo das Mandalas exerce em você a mesma "mágica" e... também a terapeuta "entra em terapia"?
E.P.C. - Claro... O terapeuta precisa estar também em terapia para não misturar suas questões com as das pessoas que o procuram. Gosto da expressão que Roberto Crema usa para designar o par terapeuta/paciente: companheiros evolutivos... Gosto porque destaca o ponto de que ambos estão em crescimento e não um deles mais passivo...

C.A. - Sim... E, afinal, o terapeuta, para além de ser terapeuta, segue sendo humano, né? (Aliás, ainda bem! Rsrs)... E, vem cá... Que bacana isso do teu livro, hein! Quando rolar o lançamento, vem contar pra gente aqui! =)
E.P.C. - Com certeza... Mas é um projeto que só deve ficar pronto no ano que vem... 

C.A. - Opa! Já estou na expectativa! ;) Edna, nas nossas sessões de arteterapia eu aprendi muitas técnicas incríveis com você... A que mais me deixou "tarada" à época (rsrs) foi aprender a fazer mosaicos de ladrilho... Lembro que comprei material para poder fazer também em casa e que, nessas ocasiões, eu era capaz de ficar horas seguidas debruçada sobre a mesa e nem fome eu sentia! Creio que foi a técnica que mais mexeu comigo... Há alguma técnica com a qual você se identifique mais e que te dê mais prazer ensiná-la e concretizá-la com seus pacientes?
E.P.C. - A técnica do mosaico permite simbolicamente desconstruir significados (quando você quebra os azulejos) e reconstruí-los (quando você reagrupa os cacos criando uma nova forma). Também gosto muito dela. Em uma outra alternativa eu uso papéis coloridos, ou recortando ou rasgando. Gosto também da variação que usa palavras ou imagens recortadas de revistas...

C.A. - Pois é! Esse negócio de, ainda que simbolicamente, quebrar o já pronto para reconstruir algo novo (e meu!) foi mesmo uma experiência "porreta"! Rsrs... Penso que podemos supor, então, que cada trabalho manual sugerido em terapia, cada técnica artesanal traz consigo uma "simbologia" que conduzirá nosso acesso ao "porão" e acenderá uma luzinha lá, para que possamos enxergar o que antes não víamos, certo?
E.P.C. - Certíssimo! O processo terapêutico se dá resgatando do inconsciente novas informações sobre você mesma. E assim ampliando seu nível de consciência... É o que está escrito no Oráculo de Delphos na Grécia... (conhece-te a ti mesmo) ou como está no evangelho: conhece a verdade e ela te libertará... Simples... mas nem tanto...

C.A. - Sim, simples "só que não", rsrs... Sabe, Edna? Uma amiga me contou que uma vez ela chegou no teu consultório se sentindo imensamente triste e chorando muito, e que vc a levou até a janela da tua sala e a entregou um frasquinho de bolinhas de sabão pra ela soprar e que esse gesto simples (soprar bolinhas de sabão na janela) foi capaz de tirar um peso insuportável do seu coração. Tem mais que meramente terapia aí, não? Tem delicadeza e sensibilidade também...
E.P.C. - Realmente, ela era uma pessoa muito reservada e introspectiva, e chegou nesse dia muito magoada e entristecida com algo que havia acontecido com ela. O silêncio dela era uma barreira entre nós. Estava claro para mim que ela precisava esvaziar o coração mas que não ia ser falando... Por isso, propus um exercício respiratório, usando as bolhas de sabão. Pedi que ela pensasse no que a estava oprimindo e soprasse com força para longe dela... Ficamos um bom tempo soprando bolhas de sabão pela janela, ela e eu, e observando sua trajetória, tamanho e os reflexos do sol nelas. Nunca fiquei sabendo o que a havia machucado tanto mas, ao sair do consultório, ela me abraçou e disse baixinho ao meu ouvido: "Obrigada... estou me sentindo bem mais aliviada". No meu modo de ver, não existe terapia se não houver delicadeza e sensibilidade...

C.A. - É... é emocionante esse teu relato... E como é que vc percebe o que propor pra cada paciente? É um olhar clínico? Ou é olhar com o coração??
E.P.C. - Mais uma oportunidade de exercitar o "E" ao invés do "OU"... Claro que o olhar clínico é imprescindível, mas sem o coração fica tudo muito frio. No caminho da terapia não há certezas, cada pessoa é única e, por isso, não há receita pronta... e é aí que entra o coração... Como recomenda Jung: conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas uma outra alma humana...

Edna, querida, muitíssimo grata por essa entrevista concedida aqui pro Coisicas Artesanais. Aliás, muito grata por tudo! Gratidão é o sentimento mais intenso que aflora de mim por você, para além de algumas afinidades descobertas, para além do afeto construído e do carinho confirmado, para além do respeito e da admiração que ultrapassam o período em que fomos "companheiras evolutivas" ;) 

Muito grata! Pelo companheirismo, pela generosidade, pela doação...

É lindo e emocionante ver que você realiza o teu trabalho com tanto amor e que distribui esse amor entre as pessoas que procuram a tua ajuda para descer até seus porões, fazer a faxina e... encontrar insuspeitados tesouros!

Agradecida demais da conta! ♥

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E se você curtiu essa entrevista e quer conhecer um pouco mais a Edna e seu trabalho, ler reflexões que tornam o dia mais leve (ou que deixam uma pulguinha atrás da orelha, rs...) e, ainda, se está curioso para ver (e se encantar com) as lindas Mandalas por ela criadas, visite o seu blog!

Aqui: Edna Encontrarte
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21 de abril de 2017

Entrevista - trocando figurinhas com Gílian Demori


Preciso contar uma coisa pros meus (talvez 6) leitores: eu curto muito esta sessão de entrevistas aqui do Coisicas Artesanais. Porque é fantástico a gente poder conhecer (um pouquinho que seja) o artista por trás da obra, a pessoa por trás do artista e as histórias de vida por trás de uma inspiração... Isso, de certo modo, creio que nos une, porque revela o humano em todos nós. O começo, o medo, o tropeço, o erro... Mas também o aprendizado, o acerto, a conquista, a superação!

Hoje nossa prosa delicinha e com a maior cara de "visitinha entre comadres" é com a queridíssima Gílian Demori. Pode entrar! Fica à vontade! ;)

Coisicas Artesanais - Gílian, vou começar com a pergunta que faço a todos aqui no Coisicas, e juro que não é por falta de criatividade, mas por curiosidade mesmo: onde nasceu e em que data? 
Gílian Demori - Nasci em São Paulo, embora a maioria das pessoas pensem que eu seja gaúcha, pois além de minha mãe ser do interior do Rio Grande do Sul, moramos um tempo considerável em Porto Alegre. Ahhh sim, nasci em 6 de janeiro... O ano? Affff.... foi no século passado, pode ficar só nisso? rssssssss (1965)... 

C.A. - Que linda, nasceu no Dia de Reis! :) Tá, mas então... no século passado (ops!), na infância quais eram suas brincadeiras favoritas? 
G.D. - Menina, eu adorava brincar de bonecas. Vestia, penteava, dava banho, comidinhas...rssss... Minha irmã mais velha era a que subia em árvores e pulava muros, eu era a 'comportada' que preferia ficar em casa brincando com as bonecas, mesmo...rsss

C.A. - E, entre essas brincadeiras da infância, vc identifica alguma que fosse já um "sinal" da importância que o artesanato passaria a representar na tua vida? Eu, por exemplo, adorava assistir ao programa "mãos mágicas" num canal de televisão. 
G.D. - Menina, que programa é esse?? 

C.A. - Ih, deixa pra lá... Era um programa do século passado... ;)
G.D. - Rsssss... Eu adorava assistir a desenhos animados, mas em relação ao artesanato acho que meus indícios mais remotos e incipientes dizem respeito às bonecas de papel... não é da sua época, rssss... Eram bonequinhas (de papel, claro) que vinham em uma espécie de livrinho ou em uma folha só, já não lembro, e você recortava e ela vinha com vestidinhos para 'trocar' e às vezes algum acessório. Então eu pegava as revistas Cláudia ou Manchete que apareciam em casa e, quando havia algum editorial ou propaganda em que aparecesse uma mulher com um vestido com estampa bonita, eu tentava encaixar algum dos vestidinhos que já vinham junto com a boneca, passava um risco com lápis para marcar e recortava, aumentando assim o 'guarda-roupas' fashion da minha bonequinha...rssss. O bom delas é que dava para fazer dezenas de vestidos novos, o ruim é que, sendo de papel, as bonecas não sobreviviam por muito tempo...rssss

C.A. - Menina, mas é claro que eu me lembro das bonequinhas de papel! Também brinquei com elas! (Aff, assim você me obriga a deixar indícios fortíssimos de que eu também sou do século passado! rs)... Tá... "mas hein"... e quando criança você sonhava em "ser o quê" quando crescesse? 
G.D. - Acho que quando era beeem pequena eu sonhava em ser dona de casa (pense que criatura mais sossegada eu era...rsss) .... depois me imaginava professora primária (fiz magistério, inclusive, no mais tradicional colégio de freiras de Porto Alegre, à época...rsss) e mais tarde, já no fim da adolescência, comissária de bordo, profissão que posteriormente eu exerci por 16 anos, até que a empresa foi 'saída' do mercado, no ano de 2006...

C.A. - E você é formada em História, certo? Vc vê, de algum modo, alguma influência dessa formação no teu trabalho manual hoje ou acha que isso ficou lá pra trás? Concorda que é possível viver muitas vidas numa vida? 
G.D. -  Opa, com certeza! Eu inclusive queria ter vivido muito mais vidas nessa daqui...rssss. Sim, sim, me formei em História e agradeço meus pais que me proporcionaram poder escolher o que gostava e não precisar trabalhar na ocasião. Eu acho que a formação acadêmica nessa área possivelmente apurou um pouco meu senso estético, a combinação de cores, equilíbrio de volumes. História da Arte, por 2 semestres, e posteriormente Seminário de História da Arte eram minhas disciplinas prediletas.

C.A. - Que maneiro! Creio que seriam as minhas preferidas também! ... Essas aulas te deixaram com o olhar apurado para o "belo", né? Então vem cá, antes de se dedicar ao artesanato, vc trabalhou em outras áreas? 
G.D. - Sim. Assim que me formei fui trabalhar com meu pai que tinha uma distribuidora de cosméticos em Porto Alegre. Nada a ver com o curso que acabara de concluir mas como era um negócio de família, eu acabei indo no embalo. Pouco tempo depois uma amiga me chamou para nos inscrevermos na seleção de comissários da Varig e eu, apesar de achar fascinante e sonhar com aquilo, fui absolutamente descrente de que pudesse passar. E eis que meses depois estava fazendo as malas e me mudando para São Paulo para fazer o curso de Formação de Comissários da empresa.

C.A. - Uau! Imagino a tua surpresa! Mas vc chegou a lecionar também, não? De qual atividade dessas gostava mais? 
G.D. - Ser comissária... com certeza! Cheguei a lecionar no magistério (só no estágio) e depois que me formei (numa turma de supletivo duas vezes por semana e por pouquíssimo tempo também - o salário mal dava para pagar o combustível ou ônibus, se colocasse na ponta do lápis...rsss). Mas a aviação era a minha praia. Até hoje ainda sonho (e de forma bem recorrente) que estou de uniforme e puxando minha mala por algum aeroporto qualquer...

C.A. - Nossa! Que incrível isso dos sonhos... Também pudera! Ser comissária fazia parte dos teus sonhos de menina! ... E, nessa história toda aí, em qual momento o gosto pelo artesanato apareceu? Quando passou a se dedicar ao artesanato, ainda que esporadicamente? E em que momento o artesanato deu sinais de que queria ser o protagonista na tua vida e que seria um bom e novo caminho a ser seguido? 
G.D. - Antes da empresa sair do mercado, eu já me interessava por artesanato e comprava revistas e materiais aos montes (o povo comprava um saquinho com 2 guardanapos de determinado modelo, eu, a descompensada, mesmo sem fazer quase nada, comprava logo o pacote com 20 e quando não um, 2 pacotes às vezes...rsss)

C.A. - Rsrsrs... Ai... o pior é que conheço alguém i-gaul-zi-nha!... rsrs
G.D. - E quem não? rsrs...  Bem... daí fiz um curso de decoupagem aqui perto de casa para tentar me aperfeiçoar mas achei muito fraco, faltava alguma coisa e eu não sabia o que era. Um dia, me apresentando para voar, encontrei uma amiga com uma peça belíssima nas mãos e conversando descobri que ela dava aulas de pintura country e resolvi marcar aula com ela. Foi então que eu descobri o que faltava e que no curso anterior não havia sido ensinado: sombra! Um projeto de pintura sem sombra, com decoupagem ou não, é uma imagem chapada e sem apelo. A sombra imprime volume, dimensão, eleva o trabalho a outro nível. O artesanato deu um salto em minha vida quando, fazendo parte de um grupo de artesãs no falecido Orkut, onde postávamos as peças que criávamos, do nada, uma quase desconhecida (conhecida apenas no universo virtual), me chamou para apresentar um tutorial em um programa de TV, o Sabor de Vida, na Rede Aparecida. Eu nem acreditei que pudesse ser verdade mas aceitei e depois disso vieram o segundo convite, terceiro, quinto, sétimo..., editorial em revista, patrocinadores... enfim, quando vi, o artesanato me resgatou da depressão em que a 'viuvez' da aviação me jogou e se tornou minha nova atividade profissional.

Coisicas Artesanais - entrevista com Gílian Demori
Gílian (ao fundo, atrás da bancada) na gravação do programa Ateliê na TV
























C.A. - E como foi no começo desse processo? 
G.D. - No início ele coincidiu (na verdade antecedeu um pouco apenas) com a demissão em massa, quando a empresa quebrou. Eu entrei em depressão e quase não saia da cama (e isso por 2 anos, praticamente). Até que, por insistência dessa professora, voltei aos poucos a mexer com meus materiais, criar uma peça aqui, outra ali... Por indicação de uma outra amiga passei a postá-los no Flickr, a plataforma de imagens mais conhecida na época, depois no Orkut... A seguir, abri minha loja em uma plataforma de vendas de artesanato e então veio o primeiro convite para tv, como comentei anteriormente...

C.A. - A gente sempre ouve dizer que artesanato é uma verdadeira terapia... E ele foi capaz de te tirar duma crise braba, né? Que bacana, Gílian! Agora vou te pedir pra deixar alguma dica para quem está começando no artesanato. (Sendo que... Tá, eu sei, a entrevistada aqui é vc mas... eu já quero deixar uma dica pros leitores, se você me permite: gente! Assistam aos vídeos da Gílian!!! São imperdíveis!!!)... Pronto. Gílian, alguma dica mais? ;) 
G.D. - Rsss... você é um doce, Simone. Obrigada pelo carinho e prestígio que me concede e por ter me convidado para fazer parte dessa sessão do seu blog. Um conselho que eu poderia dar é: procurem inspiração em todos os lugares possíveis. Seja em blogs, no Pinterest (a Bíblia das inspirações artesanais, hoje em dia), revistas, Youtube... procurem onde for e estejam de olhos e mente abertos o tempo todo, mas na hora de criar, acrescentem um detalhe do seu gosto, da sua experiência, do seu universo, da sua visão e percepção das coisas. É o que vai fazer seu artesanato único, é o que vai imprimir uma assinatura e fazer com que tenha reconhecimento nesse universo tão ilimitado e envolvente que é o processo de criar algo único com as próprias mãos. Simone, mais uma vez obrigada por esse convite tão gostoso, eu amei constar na sua galeria de entrevistados.

Coisicas Artesanais - entrevista com Gílian Demori
Gílian (de avental azul-jeans) entre suas pupilas após uma oficina sua no Ateliê Cantinho da Arte

Gílian, querida... obrigada eu! Tô muuuuuuito feliz com essa prosa que tivemos aqui, sem contar a gratidão por você ser essa pessoa tão generosa. Tudo de muito lindo procê e as mais belas inspirações te visitando sempre! :)

* * *

Se você ainda não leu o post que publiquei sobre o trabalho da Gílian, então dá uma olhadinha aqui, ó!

E veja aqui uma "solução" que encontrei prum trabalhinho meu a partir de uma inspiração Gilianesca ;) 

E, ainda, se te interessa ler um pouco mais a respeito da relação entre artesanato e processos de cura, leia aqui a entrevista que fiz com a terapeuta Edna Pinto Chagas, que vem nos esclarecer sobre este tema.

22 de janeiro de 2016

Renato Magalhães - Mandalas rendadas do barro do chão


Conheci o trabalho do Renato uns 3 ou 4 anos atrás, passeando pela incrível (e gigantesca!) feira da Afonso Pena, em BH. Quem conhece a feira sabe o quanto é difícil passear por ela, seja porque ela tem "zilhares" de barracas (e você vai querer parar em quase todas para dar uma "bisoiada"), seja porque ela está sempre cheia de outras muitas pessoas que vão lá fazer o mesmo que você, seja porque as barraquinhas são muito juntinhas e o espaço é pouco para tanta gente, seja porque a feira funciona só pela manhã (praticamente)... Ou ainda por todos esses fatores acontecendo ao mesmo tempo e no mesmo lugar! Fato é que passear pela feira e garimpar as coisas maxi-bacanas que ela oferece acaba tendo um certo ar de gincana! (Deliciosa, diga-se de passagem!).

E imagina que foi num ambiente desses que meus olhos vislumbraram de longe, num reduzido campo de visão (entrecortado por pessoas, barracas, mais barracas, pessoas e mais pessoas...), algo que me chamou a atenção. Era possível ver "pedaços" de uma obra que parecia cerâmica, parecia renda, parecia tão bonito... Isso com pessoas passando na frente e outros  2 corredores de barraquinhas que eu teria de transpor para chegar mais perto... 

Pelas cores terrosas (que eu amo) e pelos desenhos que, de longe, meus olhos não conseguiam decifrar direito, eu fui seduzida, atraída feito ímã a chegar mais perto para ver do que se tratava... Que peças mais ricas! Pequenas, singelas mas de uma beleza indescritível! Cheias de informação, de texturas, de figuras e desenhos de uma minúcia barroca! E de um esmero, de uma delicadeza... que faziam uma peça de cerâmica mais parecer uma renda macia ao toque! Meu queixo caiu diante de tanto primor! 

O Renato é daqueles artistas que fazem um trabalho único, em nada parecido com nenhuma outra coisa que se vê por aí! E ele une dois elementos que, para mim, são de um valor, mais que estético, cultural/transcendental riquíssimo: a argila (com seus lindos tons naturais e a sua intrínseca referência à terra, ao chão que nos abriga e nos dá de comer...), e os desenhos primorosos que, justapostos e entrelaçados cuidadosamente, lembram o tramado das mais belas rendas que vêm sendo feitas há séculos por nossas tias e nossas avós mais remotas! 

Coisicas Artesanais - Renato Magalhães e suas "rendas do chão"
Cada pequeno desenho, cada "sulco", cada relevo ou depressão, cada espaço para luz e sombra que o Renato imprime em suas mandalas, ele o faz com pequenas ferramentas criadas por ele próprio. Um trabalho minucioso, de dedicação e paciência extremas!


Renato Magalhães cria mandalinhas de diversos tamanhos, desde umas bem "pequeticas" (um pouco maiores que uma moeda de 1 real - e que são vendidas como cordão), até umas maiores (de 6 ou 12 cm de diâmetro) para pendurar em paredes...  E o mais bacana, além de tudo, além da beleza ímpar e da riqueza visual das suas peças, é que elas também podem ser usadas como aromatizantes pessoais (pois preservam a porosidade da cerâmica por se tratar de peças não esmaltadas, o que as torna indicadas para aromaterapia com óleos essenciais... - e quem conhece o poder terapêutico desses óleos, sabe que isso não é pouca coisa!). Essas como a da foto acima, além de poderem ser pregadas na parede, têm também um furinho que as transpassa e permite que sejam usadas ainda como um delicado incensário sobre uma cômoda ou outro móvel qualquer...

 
Coisicas Artesanais - Renato Magalhães: rendas de chão
Os colares do Renato: pra levar no peito delicadas mandalas e cheirinhos de aconchego ...

Naquela primeira ocasião em que me deparei com esse trabalho lindo do Renato, eu comprei 6 colarezinhos e mais duas mandalinhas de 6 cm. Acabei dando tudo de presente! Fiquei só com um cordão para mim. Depois fui lembrando de outras amigas que eu queria presentear e, estando de novo em BH, voltei à feira para comprar mais cordões. Já presenteei amigas de longa data, amigas de "pouca data", sogra, professoras, colegas, conhecidas... E até "desconhecidas"! Uma vez, eu tinha acabado de comprar vários cordõezinhos com o Renato e fui direto pro teatro (era uma sessão "matinê", para crianças) mas a peça (de uma companhia de bonequeiros muito famosa em Minas) já estava com a lotação esgotada! Fiquei triste demais da conta... e uma mocinha da produção (uma fofa!), vendo o meu desapontamento, me cedeu uma entrada "mágica" (e ainda por cima gratuita), me colocou lá dentro para assistir! Me senti tão agradecida pelo seu gesto que queria retribuir de algum modo. Não pensei duas vezes: catei na minha bolsa um colarzinho do Renato (dos, acho que 10, que eu havia acabado de comprar naquela ocasião) e dei pra ela, em agradecimento. Ela ficou tão feliz, mas tão feliz com o colarzinho, que a sua reação de surpresa e alegria me encheu de alegria também!...

Nessa brincadeira aí já foram umas 4 ocasiões de eu chegar lá na feira e quase que esvaziar a barraquinha do Renato - que, aliás, produz poucas peças, já que a sua relação com essa arte é fazer dela a sua pura, grande e verdadeira terapia, a sua fonte de cura, de bem-estar e prazer... Impossibilitado de manter seu emprego formal, por conta de um problema de saúde que ataca seus ossos e causa muitas dores por todo corpo, o Renato encontrou nessa arte delicada uma forma de vencer a dor, fazendo-se mais forte que ela...

Ali, naquela feira, eu tive a oportunidade de conhecer uma criatura iluminada! Porque o Renato Magalhães tem um espírito transformador, é um homem obstinado que transmuta dor em arte e transforma a terra, pura e simples, em lindos trabalhos rendados... O Renato é um artista delicado, que consegue a proeza de criar, com suas mãos, lindas rendas de chão...

Coisicas Artesanais - Renato Magalhães: rendas de chão

Coisicas Artesanais - Renato Magalhães: rendas de chão
   
Coisicas Artesanais - Renato Magalhães

Leia aqui a entrevista que Renato Magalhães concedeu ao Coisicas Artesanais!

E veja ao final deste post aqui algumas dicas sobre óleos essenciais ;)
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Coisicas Artesanais - Oh, Minas Gerais!